segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O IMPOSSÍVEL É O SOBRENOME DO MEDO



Perdemos mais tempo arrumando desculpas do que vivendo.

Perdemos mais tempo adiando do que aceitando a dificuldade.

Perdemos mais tempo explicando a desistência do que enfrentando o sim.

Eu garanto que a fuga dá mais trabalho do que se encontrar. Porque estaremos longe, mas com saudade. Porque estaremos protegidos, mas vazios. Porque estaremos aliviados, mas entediados.

A vida é simples, milagrosamente simples.

A esperança é firmeza. Consiste em seguir adiante mesmo com pânico, mesmo com receio.

Não há como acalmar o coração senão vivendo.

Parece que nunca conseguiremos fazer, mas vamos fazer, acredite, toda a vida foi feita de sustos bons.

Somente tememos o que é importante. Somente temos dúvidas do que é essencial. Somente entramos em crise por enxergar com clareza a dimensão de nossa escolha.

Os riscos valorizam a recompensa.

Viver não é para solitários. Sempre tem alguém nos chamando para nos acompanhar no perigo.

Eu pensei que nunca percorreria o corredor de minha infância caminhando, mas o vô me esperava do outro lado. Eu caí e ele me levantou com suas mãos de regente.

Eu pensei que nunca me manteria equilibrado numa bicicleta, mas meu pai fingiu que segurava a minha garupa e pedalei de olhos fechados com o vento me guiando.

Eu pensei que nunca aprenderia a ler e a escrever, mas a letra da minha mãe foi a escada para as histórias.

Eu pensei que nunca teria uma namorada, mas o beijo veio distraído no recreio da segunda série.

Eu pensei que nunca conseguiria nadar, mas os braços foram se revezando até atravessar a piscina.

Eu pensei que nunca passaria no vestibular, mas sacrifiquei noites e pesadelos para um lugar na faculdade.

Eu pensei que nunca teria filhos, eu pensei que nunca dividiria a casa com alguém, eu pensei que nunca seria dependente do olhar de uma mulher, eu pensei que nunca teria dinheiro, eu pensei que nunca seria feliz.

Eu pensei, mas fui fazendo. Fazendo. Fazendo.

O impossível é apenas o sobrenome do medo.

Você acha que somos impossíveis, mas é do impossível que o amor gosta.

O impossível é inesquecível.

O impossível é o possível repartido. O impossível é o possível a dois.


Fabricio Carpinejar

 Zero Hora
 30/07/2013

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Lendas brasileiras - O Avestruz













No tempo em que somente os bichos povoavam a terra, as funções 
que hoje são desempenhadas pelos homens eram desempenhadas 
pelos bichos.

O Jaguar, por ser muito valente, era delegado de polícia; o Quero-quero era sentinela; o João-de-Barro era construtor de casas; e assim por diante. O Avestruz, proteger pernas compridas e ser muito rápido, era carteiro. Sim, carteiro! Lá ia ele, de ranchinho em ranchinho, levando cartas. Certa ocasião, a mulher do Avestruz estava chocando ovos, do quais, depois, nasceram uns avestruzinhos muito bonitinhos. Mas a mulher do Avestruz adoeceu. Então o marido foi à venda do Capincho buscar remédio para a mulher que não podia sair de casa, pois precisava estar chocando os ovos. Na venda, que era um ambiente de gente meio vagabunda, estavam festejando a chegada de um Tangará muito cantador, tocador de viola, que tinha vindo de Cima da Serra. A festa se animou quando o Tangará começou a trovar em desafio com o Anu, que era também muito cantador. O Avestruz – que tinha ido lá somente para buscar o remédio para a mulher – começou a se entusiasmar com a festa; bebeu cachaça, se embriagou e só acordou no dia seguinte, quando o sol já estava alto. Só, então, se lembrou da mulher. 

Comprou o remédio e voltou depressa, o quanto a perna dava. Mas, quando chegou à casa a mulher tinha morrido. Louco de remorso, o Avestruz pôs-se sobre os ovos para terminar de chocá-los. Um tempo depois nasceram os filhotes, mas piando muito tristes porque não tinham mãe, eram guaxos. E desde aí – para que se lembrem dos deveres de família – os avestruzes passaram a chocar os ovos, isto é, o macho é que choca e não a fêmea. 
É a mesma coisa que se, num galinheiro, o galo fosse para o choco e a galinha ficasse cantando: có-co-ró-co-có... 

 Barbosa Lessa 
Estórias e Lendas do Rio Grande do Sul

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A Orquídea




A orquídea parece
uma flor viva, uma
boca, e nos assusta.
Flor aracnídea.

Vagamente humana,
boca, embora feita
de inocentes pétalas,
já supõe perfídia.

Já supõe palavra
embora muda.
Já supõe insídia.

Que estará dizendo
o lábio quase humano
da orquídea?


Cassiano Ricardo

SONETO DE ANIVERSÁRIO





Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

Vinicius de Moraes

sábado, 30 de novembro de 2013

Relógio



Diante de coisa tão doída
conservemo-nos serenos.

Cada minuto de vida
nunca é mais, é sempre menos.

Ser é apenas uma face
do não ser, e não do ser.

Desde o instante em que se nasce
já se começa a morrer.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Vivo








"Vivo tão encolhida no meu canto, 

entre minhas paredes, 

que qualquer desvio dos trilhos cotidianos

 transtorna."

 Lya Luft

domingo, 3 de novembro de 2013

domingo, 20 de outubro de 2013

Vida




A vida é tão maravilhosa porque também é feita de colos, 
de feridas que cicatrizam, 
de AMIGOS que celebram ou choram junto.

Feita de pessoas apaixonadas e apaixonantes, 
possíveis e impossíveis, 
pessoas que machucam,
 pessoas que chegam pra curar.

Marla de Queiroz

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A estrelinha polar





Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra

De repente o mar fosforesceu, o navio ficou silente
O firmamento lactesceu todo em poluções vibrantes de astros
E a Estrelinha Polar fez um pipi de prata no atlântico penico.

Vinicius de Moraes

sábado, 12 de outubro de 2013

A pulga


Feliz Dia das Crianças

A pulga

Um, dois, três
Quatro, cinco, seis
Com mais um pulinho
Estou na perna do freguês
Um, dois, três
Quatro, cinco, seis
Com mais uma mordidinha
Coitadinho do freguês
Um, dois, três
Quatro, cinco, seis
Tô de barriguinha cheia
Tchau
Good bye
Auf Wiedersehen
Vinicius de Moraes

sábado, 7 de setembro de 2013

Guitarra y vos





Que viva la ciencia,
Que viva la poesia!
Que viva siento mi lengua
Cuando tu lengua está sobre la lengua mía!
El agua esta en el barro,
El barro en el ladrillo,
El ladrillo está en la pared
Y en la pared tu fotografia.

Es cierto que no hay arte sin emoción,
Y que no hay precisión sin artesania.
Como tampoco hay guitarras sin tecnología.
Tecnología del nylon para las primas,
Tecnología del metal para el clavijero.
La prensa, la gubia y el barniz:
Las herramientas de un carpintero.

El cantautor y su computadora,
El pastor y su afeitadora,
El despertador que ya está anunciando la aurora,
Y en el telescopio se demora la última estrella.
La maquina la hace el hombre...
Y es lo que el hombre hace con ella.

El arado, la rueda, el molino,
La mesa en que apoyo el vaso de vino,
Las curvas de la montaña rusa,
La semicorchea y hasta la semifusa,
El té, los ordenadores y los espejos,
Los lentes para ver de cerca y de lejos,
La cucha del perro, la mantequilla,
La yerba, el mate y la bombilla.

Estás conmigo,
Estamos cantando a la sombra de nuestra parra.
Una canción que dice que uno sólo conserva lo que no amarra.
Y sin tenerte, te tengo a vos y tengo a mi guitarra.

Hay tantas cosas
Yo sólo preciso dos:
Mi guitarra y vos
Mi guitarra y vos.

Hay cines,
Hay trenes,
Hay cacerolas,
Hay fórmulas hasta para describir la espiral de una caracola,
Hay más: hay tráfico,
Créditos,
Cláusulas,
Salas vip,
Hay cápsulas hipnóticas y tomografias computarizadas,
Hay condiciones para la constitución de una sociedad limitada,
Hay biberones y hay obúses,
Hay tabúes,
Hay besos,
Hay hambre y hay sobrepeso,
Hay curas de sueño y tisanas,
Hay drogas de diseño y perros adictos a las drogas en las aduanas.

Hay manos capaces de fabricar herramientas
Con las que se hacen máquinas para hacer ordenadores
Que a su vez diseñan máquinas que hacen herramientas
Para que las use la mano.

Hay escritas infinitas palabras:
Zen, gol, bang, rap, Dios, fin...

Hay tantas cosas
Yo sólo preciso dos:
Mi guitarra y vos
Mi guitarra y vos.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O rio




Ser como o rio que deflui

Silencioso dentro da noite.

Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.


sábado, 31 de agosto de 2013

sábado, 24 de agosto de 2013

O exemplo das rosas




Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:
- Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me louvar!
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio:
- Não será insensato pedir a esta rosa que fale?
Não vês que ela se dá toda no seu perfume?

Manuel Bandeira

sábado, 17 de agosto de 2013

Alfabeto






É muito útil estudar
o alfabeto das flores miúdas
esquecidas na beira dos caminhos.

Pequenas florezinhas amarelas
como mensagens perdidas.

Elas dizem sim à vida, ao Sol,
à chuva, sim ao amor que nasce
todos os dias, invisível,
e com sua luz ilumina a Terra.

Roseana Murray

terça-feira, 13 de agosto de 2013

QUERIDO CAIO FERNANDO ABREU




Me explique, bruxo? Onde estiver me explique.

Como alguém pode vir morar contigo, dizer que te ama na noite anterior, e sumir de repente sem nenhum arrependimento?

Amor muda de ideia? Amor é leviano assim? Amor é brincar de destruir?

O que digo agora também já está morrendo?

Morrer produz barulho, sei, mas e o barulho de viver? Não dá para ouvir daí?

Como do homens dos sonhos você se torna um homem sem sonho?

Como uma manhã sem falar doía nela e hoje o amanhã sem falar nem provoca ansiedade?

Como alguém não guarda em si o mínimo de autocrítica para refletir as últimas semanas?

Eu dividiria até meu egoísmo com ela. Não ficaria com ele sem partilhar. Como não se fracionar? No momento em que a gente se guarda a gente se perde, não?

Como alguém que ama decide alguma coisa? Logo no amor, Caio? Amor não é adiar? Amor não é humildade?

Vejo que o erro é arrogante, Caio. Como existe soberba na maldade, hein?

Será que foi vingança de relações passadas? Eu era o intervalo de um ódio?

Será que não devia ser sincero, fiel, não podia confessar minhas fraquezas, falar o que temia? Honestidade não combina com amor?

Eu que sou garrancho, arredondei a letra no caderno de caligrafia, escrevi entre as linhas de baixo e de cima, bem certinho, você ficaria orgulhoso conhecendo minha pressa, mas só você, Caio, só você sabe o enorme sacrifício que é escrever entre as linhas.

Será que a felicidade machuca? Será que a felicidade nunca é suficiente? Será que os casais se separam porque acreditam que podem ser felizes sem ninguém? Ou acreditam que podem ser ainda mais felizes do que estão sendo?

Será que a solidão mente o que somos?

Se o afeto sufoca, me diz, então, o que liberta?

Será que é só conhecer uma intimidade que somos empurrados para fora? Será que a pessoa não se gosta nem um pouco para admitir testemunhas? Será que sabemos demais, enxergamos demais, e nosso corpo é obrigado a desaparecer? Amar é coisa de máfia?

Será que recebemos a culpa por problemas pessoais? Que é mais fácil encerrar a relação do que assumir os medos?

O amor é um mal-entendido, é ilógico, Caio? Estou começando a crer nesta hipótese.

Como alguém pode se entregar loucamente e depois alegar que nada tem mais importância?

Que piração é esta, Caio? Isso também acontece no mundo dos mortos? Ou os mortos são mais estáveis? Ou os mortos são mais confiáveis?

Como alguém faz declaração pública de amor e depois diz que desejava invisibilidade?

Como confiar no silêncio se não há esperança?

Eu fingi que era diferente? Não expressei como era desde sempre, não avisei como funcionava?

Como alguém cultiva os meus amigos e filhos, defende o nosso destino, numa hora e na hora seguinte se mostra surda a todo conselho, surda a toda dúvida, surda a toda incerteza?

Como alguém pode jogar a história fora? Por facilidade? Não conheço nada fácil, nem a amizade. Não pode ser.

Será que ninguém mais lê mais poemas hoje, Caio? Poemas não têm final. O amor deveria ser como um livro de poesia. Para se ler fora de ordem. Para se ler um pouco por dia. Desprovido de desfecho. Poema é releitura na primeira leitura.

Caio, não suporto que digam que mulher não gosta de homem que se entrega, que temos que omitir, que temos que jogar. É uma cilada machista, não lhe parece, para justificar a grosseria e a ausência de interesse?

O que será da intensidade longe da doação?

Onde foi parar a delicadeza dela, a ternura de antes? Foi uma miragem?

Onde as pessoas escondem o amor, Caio? Onde as pessoas enterram os ossos de suas alegrias?

Como alguém pode ser frio, indiferente, insensível a ponto de usar as frases mais duras e impessoais, sem se importar com o sofrimento que causa?

Como alguém manda mensagens como se estivesse realizando um favor? Que superioridade é esta? Cadê o nervosismo que pede um abraço?

Como alguém não se esforça para retroceder o baque, zerar os meses? Por amor, a gente apaga que nasceu um dia, não é mesmo?

Como alguém não cancela sua atitude? Que obstinação é essa de machucar, de sangrar ruas e lugares prediletos?

Como alguém não sente saudade, não inventa saudade, não cria saudade? É um produto em falta por aqui, Caio, pode mandar material? Mande garoa de palavra para recriar saudade, por favor?

Como não retornar pela verdade, se eu voltaria ainda que fosse uma mentira?

Como não caminhar recuando se avançar é lembrar?

Como o outro termina sem conversar, termina por terminar, termina de modo cruel o que não havia sinalizado?

Como alguém emprega a porta para pisar as mãos, permanece agredindo quem merecia uma fresta de compreensão?

Como alguém afirma que nada muda da noite para o dia e esquece as noites que mudaram seus dias?

Como esse mesmo alguém é outro, já outro, tão outro que nem sei mais quem fui?

Como não desconfiar do passado, como não imaginar que tudo foi uma mentira?

Como não se sentir usado pelos anjos, corrompido pela dor?

Como, Caio?

Alguém mentiu, Caio, para mim. Para si. E para todos.

Eu não desisto do que falei um dia com todo o coração. Mas sou eu, Caio, sou eu. Não posso exigir isso de ninguém.

Viver é incompreensível.

Um beijo. Cuide-se.

Fabrício Carpinejar



sábado, 6 de julho de 2013

Consoada





Quando a Indesejada das gentes chegar

(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Espera




Se temos de esperar,
 que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. 

Se for para semear,
 então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade.


Cora Coralina

sábado, 29 de junho de 2013

Não há vagas


O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira

sábado, 22 de junho de 2013

Tragédia brasileira




Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,
Conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de
inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Manuel Bandeira

domingo, 16 de junho de 2013

Solidão






Trêmulas jangadas,

sempre sossegadas

sobre as ondas mansas:

por que não partis?

Que áureas esperanças

sopram no mar largo,

chegam como pássaros,

ninguém sabe de onde?



Trêmulas jangadas,

sempre sossegadas

sobre as ondas mansas:

que evocais ao luar?

Velhas esperanças,

chama que se finda,

ou vossa amargura,

mais íntima e pura,

vem da luz que ainda

bóia sobre o mar?



Trêmulas jangadas,

sempre abandonadas:

por que não largais?

Que áureas esperanças

vão para o mar largo,

voam como pássaros,

sobre as ondas mansas

para nunca mais!




Emílio Moura


segunda-feira, 10 de junho de 2013

domingo, 2 de junho de 2013

Cercanias


Há um prazo certo
um tempo justo
para olhar este mundo
             — de relance.

Num abrir e fechar de olhos,
vão-se as paisagens
cercanias e miragens
             — última chance.



Lenilde Freitas

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Oração para Aviadores


Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.


Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira


Perguntas

Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...

O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.

O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.

No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.

O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira. 

Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.

Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.


William Shakespeare

domingo, 26 de maio de 2013

Brrrrrrrrrr





Aos 16 anos, eu não conseguia admitir que alguém pudesse gostar de inverno. Só podia ser maluco, deprimido, estressado ou coisa pior. Escolher logo a estação mais encarangada do ano? Não fazia sentido. Na época, era fanática pelo verão, e meus argumentos pareciam irrefutáveis: ora, no verão ficamos perto do mar, usamos menos roupa, saímos mais de casa. No verão os dias são longos, praticamos mais atividades físicas, comemos mais saladas. Quem trocaria essa vida saudável por dias cinzentos, curtos e gelados?

Quem trocaria braços abertos sobre a Guanabara por braços cruzados e mãos embaixo da axila? Quem preferiria correr o risco de se gripar dia sim, outro também? E quem haveria de considerar agradável sair debaixo das cobertas de manhã cedo para enfrentar um dia que nem virou dia ainda?

Mas isso foi aos 16. Cresci, amadureci e me reconciliei com o inverno. Passei a valorizar os casacões, as botas, o vinho, a lareira, as paisagens serranas, enfim, o lado romântico da estação. Cheguei a admitir em um poema que o inverno era minha estação preferida. Provavelmente, uma tentativa de que me levassem mais a sério. Adultos respeitáveis não combinam com bermuda, e sim com sobretudos.

Não ficam rindo à toa, mantêm a classe da sisudez. Não tomam chope, não dançam em rodas de samba, odeiam Carnaval, nunca foram fotografados em situações vulgares. Escritores, menos ainda. Imagine uma Marguerite Duras de biquíni em Capão, um Philip Roth de sunga tomando banho de mangueira no quintal. O cachecol é que dignifica os intelectuais.

Segui vivendo, amadureci mais um pouco e finalmente cheguei a uma conclusão definitiva: às favas com minha credibilidade, que a adulta em mim procure asilo na Sibéria. Hoje afirmo, assino embaixo e reconheço firma em cartório se for preciso: tenho pavor de sentir frio. A elegância que os dias gélidos me conferem não compensa a leveza e o bom humor que me são subtraídos. E vinho tinto eu tomo em qualquer estação.

Só quem ganha com o inverno é o turismo, já que o frio é nossa principal atração turística. No mais, quem em seu juízo perfeito iria curtir passar o dia com o nariz gelado, as pernas enrijecidas e sentindo-se tentado a matar o banho? Quem não se assusta com o valor da conta de luz no fim do mês? E o que se gasta em farmácia? Mulheres, me ajudem: como se vestir adequadamente para um casamento numa noite em que faz 4°C? E vocês, rapazes, têm tido coragem de tirar as meias antes de dormir?

Cresci, amadureci, mas não adiantou nada: contrariando a evolução da espécie, voltei ao tempo em que era movida a energia solar. Menos mal que sempre teremos intelectuais de cachecol para salvar a pátria.

Martha Medeiros 

 Zero Hora 06 /07/ 2011.