sábado, 15 de setembro de 2012

Posso ter defeitos


Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.

E que posso evitar que ela vá a falência.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.

É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma.

É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.

É saber falar de si mesmo.

É ter coragem para ouvir um “não”.

É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?

Guardo todas, um dia vou construir um castelo…

Fernando Pessoa

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Força


Minha força está na solidão.

Não tenho medo nem de chuvas tempestivas

nem de grandes ventanias soltas,

 pois eu também sou o escuro da noite.

Clarice Lispector

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Ricordanza della mia gioventù



Eu sou do tempo dos refrigerantes Grapete, Marabá e Crush.
Eu sou do tempo dos chapéus Sarkil, Prada e Ramenzoni, do Anil Reckitt, dos urinóis Rosário.

Sou do tempo dos cigarros Aspásia, Liberty Ovais, Hudson com Ponteira, Belmonte, Tufuma, Phriné, Negritos, Lincoln e Astória.

E das cigarrilhas Talvis.
Sou do tempo da bala quebraqueixo e da rapadura-puxa.

Sou do tempo do Melado Patrulhense, da bolinha de inhaque e da bolinha aça, do bilboquê, do bambolê, da Bandeira do Divino e do realejo que enchia de alegria as ruas da minha infância: “ Naquele bairro afastado/ onde em criança eu vivia/ a remoer melodias/ de uma ternura sem par/ passava todas as tardes/ um realejo tristonho/ passava como num sonho/ um realejo a tocar”.

Eu sou do tempo do fumo em corda, da banha em tabletes de um quilo, sou do tempo do querosene vendido no armazém.

Sou do tempo da calça de tussor, do corte inglês, da camisa voltaao-mundo, do sapato de trissê e dos Tamancos Holandeses: “ Ho, holandesa boneca de tranças/ não tens compaixão/ o plac-plac dos teus tamanquinhos/ machuca o meu coração”.

Sou do tempo da goiabada cascão, da calça Lee, das Pílulas de Vida do Doutor Ross, do Rhum Creosotado, da Emulsão de Scott, e do jingle no rádio: “ Roma ou Lisboa/ em Londres, Nova York ou Paris/ todos bebem Martini porque/ Martini é marca mundial/ Martini branco doce, Martini tinto/ Martini seco/ Que paladar sensacional”.

Sou do tempo do mogango com leite, da canjica ao molho de vinho ou de leite, da canjiquinha, sou do tempo do Saphrol, do Phimatosan, do radinho Spica, sou do tempo do Biotônico Fontoura, das balas com figurinhas difíceis, as Balas do Rádio, a figurinha difícil era o Cândido Norberto, com jingle: “ Artistas do rádio/ de quem se fala/ agora se encontram na bala/ a Bala do Rádio saborosa e sã/ que traz os artistas de quem eu sou fã”.

Sou do tempo da cinta-liga e do tempo em que vestido se chamava costume.

Sou do tempo do sabonete Lifebuoy, do xarope São João.

E sou do tempo da Pomada Minâncora.

Sou do tempo do Emplastro Poroso Sabiá e do Creme de Beleza Rugol.

Sou do tempo do óleo de rícino, do xarope Bromil, o amigo do peito, e do Regulador Xavier, o amigo de confiança da mulher.

Sou do tempo do colírio Moura Brasil.

Sou do tempo da limonada purgativa e do sal amargo.

Sou do tempo do Brylcreem e do Glostora, do Vinho Reconstituinte Silva Araújo.

Sou do tempo em que todos os telefones eram pretos e todas as geladeiras eram brancas.

Sou do tempo das polainas e das galochas.

Sou do tempo dos programas de rádio Grande Rodeio Coringa e Rádio Seqüência.

Eu sou do tempo em que não havia violência.

Os ladrões, como os batedores de carteira, agiam com carinho e delicadeza, nunca feriram ou mataram alguém.

Eu sou do tempo das serenatas, dos sonetos, dos acrósticos, das alianças de noivado, sou do tempo do namoro na sala com chá-depêra.

Enfim, eu estou deslocado porque eu sou do tempo do amor.


*texto publicado em 20/08/2008

Paulo SantAna
Zero Hora 07/06/2012

sábado, 8 de setembro de 2012

Desejos

Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender um nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu".


Carlos Drummond de Andrade.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Corpo interditado


Estava num café esperando por uma amiga. Enquanto o tempo passava, fiquei observando o ambiente. Outra mulher estava sozinha a poucas mesas de distância, também esperando alguém atrasado. O atrasado dela chegou antes da minha. Vi quando ela se levantou para cumprimentá-lo. Deram-se dois beijinhos. Os dois beijinhos mais vacilantes e constrangedores que podem ocorrer entre um casal. Talvez fosse delírio meu, mas tenho quase certeza de que eram ex-amantes, ex-namorados, ou um ex-marido e uma ex-esposa que haviam terminado a relação poucos dias atrás, no máximo alguns meses atrás.

É uma cena clássica. Depois de anos de amor e intimidade, a relação se desfaz. Os dois juram nunca mais se ver, odeiam-se por algumas semanas, até que um dia surge uma pendência para ser conversada, ou simplesmente resolvem tomar um drinque para provar ao mundo que a amizade prevaleceu, essas cenas aparentemente civilizadas que trazem significados ocultos. Ou pior: encontram-se sem querer num estacionamento no centro da cidade, num corredor de shopping, num quiosque do mercado público. Você aqui? Que surpresa. E os dois beijinhos saem de uma forma tão desengonçada que seria motivo pra rir, não fosse de chorar. Eles não se possuem mais fisicamente.

Interdição do corpo. Um dos troços mais sofridos de um final de relacionamento, que só se vai experimentar depois de um tempo afastados. Uma coisa é você ficar racionalizando sobre o desenlace trancafiada no quarto, ele ficar ruminando sobre as razões do rompimento enquanto trabalha. Uma coisa é você chorar durante o banho para disfarçar os olhos inchados, ele falar mal de você em bares, fingindo que se livrou da Dona Encrenca. Uma coisa é você consultar uma cartomante a fim de acreditar em dias mais promissores, ele sair com umas lacraias bonitinhas pra provar que te esqueceu.

Outra coisa é quando os dois se encontram, cara a cara, depois de semanas ou meses apenas se imaginando.

Ele está ali na sua frente. Mas você não pode agarrar seus cabelos, não pode passar a mão no seu peito, não pode rir de uma piada interna que só pertence aos dois, porque está oficializado que nada mais pertence aos dois.

Ela está ali na sua frente. Mas você não pode mais dar uma beliscadinha na sua bunda, não pode mais beijá-la na boca, não pode mais dizer uma bobagem em seu ouvido, porque está oficializado que ela agora é apenas uma amiga, e não se toma esse tipo de liberdade com amigas.

Depois de terem vivido, por anos, a proximidade mais libidinosa e abençoada que pode haver entre duas pessoas apaixonadas, vocês agora estão proibidos ao toque. Não se amam mais, é o que ficou decretado. Logo, os códigos de aproximação mudaram. Você dará dois beijinhos na mulher que tantas vezes viu nua, como se ela fosse uma prima. Você dará dois beijinhos no homem para quem tanto se expôs, como se ele fosse um colega de escritório. Esses dois beijinhos doerão mais do que um soco do Mike Tyson.

O corpo interditado. Você não pode mais tocá-lo, você não pode mais tocá-la. O definitivo sinal de que o fim não era uma ilusão.

Martha medeiros

Zero Hora 26/08/2012