terça-feira, 23 de abril de 2013

Morrer é ridículo



A morte, por si só, é uma piada pronta. 


Morrer é ridículo.
Você combinou de jantar com a namorada, 
está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem,
precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no
carro e no meio da tarde morre. Como assim? 
E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente? 
Não sei de onde tiraram esta idéia:
MORRER!!!

A troco? Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio
estudando fórmulas químicas que não serviriam pra nada, mas se manteve
lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física,
quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para
estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer
da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora
de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente... 
De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, 
numa artéria entupida, num disparo feito por um delinqüente que gostou do seu tênis.
Qual é?

Morrer é um chiste.
Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, 
sem ter dançado com a garota mais linda, 
sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida. 
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e
penduradas também algumas contas. 
Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, 
a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira. 
Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu. 
Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, 
caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, 
começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer.
Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte
costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã. 
Isso é para ser levado a sério? Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o
sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não
acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase
nada guardado nas gavetas.
Ok, hora de descansar em paz.
Mas antes de viver tudo? Morrer cedo é uma transgressão, 
desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. 
E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.

Por isso viva tudo que há para viver. 
Não se apegue as coisas pequenas e inúteis da Vida... 

Perdoe... Sempre!!!" 

 Pedro Bial

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Tanta coisa a fazer


O meu filhinho não quer escovar os dentes, e eu digo:
- Algumas coisas a gente tem que fazer sempre. A gente sempre tem que escovar os dentes depois de comer.
Ele não quer comer, e eu:
-  Algumas coisas a gente tem que fazer sempre. A gente tem que se alimentar todos os dias.
Ele não quer se  recolher para dormir, e lá vou eu:
-  Algumas coisas a gente tem que fazer sempre. A gente  tem que ir dormir em certa hora da noite.
Até que, dia desses, depois de eu repetir mais uma vez que a gente tem que ...ele suspirou:
- A gente tem que fazer  muita coisa, papai ...
Três aninhos e já está soterrado pelo peso das obrigações. Três aninhos ...

No outro extremo da existência, tempos atrás, uma senhora amiga de uma amiga minha, ao completar 60 anos suspirou como suspirou meu filhinho:
- Que bom chegar aos 60 anos. Assim não preciso mais estudar inglês , nem fazer sexo.
Se é verdade que depois dos 60 anos a gente não precisa mais estudar inglês, eis aí uma boa notícia. Estudar inglês é um porre.
Quanto ao sexo, considero uma atividade divertida, não um fardo, mas reconheço que todo processo envolvido na negociação para se obter consentimento para o sexo é cansativo.E depois, quando todo já foi consumado, o trabalho de manutenção é ainda mais desgastante. Mesmo assim, não seria esse gênero de obrigação que me faria reclamar.

O que me faz reclamar é dar razão ao meu filhinho e à senhora sessentona é constatar que, quanto mais se desenvolve a  ciência e a tecnologia, mais coisas tenho a fazer. Quer dizer, a vida não fica mais simples, fica mais complicada.As pessoas não apenas exigem que você estude inglês, elas também  querem que você tenha uma página no Facebook, um perfil no Orkut e outro no tuíter, querem que você faça exercícios todos os dias e mastigue os alimentos 42 vezes, querem que você responda todos os emails e leia os jornais do centro do país, querem que você faça limpeza nos dentes e o exame de toque, querem que tire a pressão de 15 em 15 dias e que verifique o nível do seu colesterol. E querem que você trabalhe.
Ao meu filho, que só quer brincar, repito sempre:
- Está apenas começando ...

Porém, não é bom que termine, e é isso que tenho a dizer à senhora sessentona. Quando você para de aprender e de fazer , quando você para de lutar, você está parando de viver. Pode ser cansativo, mas, como disse um dia  Mencken,  a vida quer ser vivida. Espero que  isso sirva de consolo à senhora sessentona, ao meu filhinho, a mim mesmo, com minhas fadigas, mas principalmente, espero que sirva de conforto a todos os que se revoltam com a possibilidade de aumentar a idade para se aposentar. A reforma nas aposentadorias é inevitável em todo o mundo. Será daqui também. Todos trabalharemos mais tempo. Mas viveremos mais tempo também.


David Coimbra
Zero Hora, 1º/ 07/ 2011

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ausência






Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 9 de abril de 2013

Espesso






Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia,
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).


João Cabral de Melo Neto

sábado, 6 de abril de 2013

O dia inacabado



Como todos os homens, sou inacabado.

Jamais termino de ser.

Após a noite breve um longo amanhecer

me detém no umbral do dia.Perco o que ganho no sonho e no desejo

quando a mim mesmo me acrescento.

Toda vez que me somo, subtraio-me,

uma porção levada pelo vento.

Incompleto no dia inacabado,

livre de ser ainda como e quando,

sigo a marcha das plantas e das estrelas.

E o que me falta e sobra é o meu contentamento.



Ledo Ivo

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Amor em números quebrados




Com início de namoro ou com filho pequeno, contamos os  meses. Comemora-se a convivência a prestações. Não deixamos de nos surpreender  e festejar a permanência de alguém novo em nossa vida.

É  complicado localizar quando esfriamos o encantamento. Por preguiça  no raciocínio matemático ou por acatar o senso comum, desistimos de aniversariar o amor diariamente.

Até os dois anos da criança conta-se a idade dela desse jeito.Quando ela junta os dedos, a data se dilata para a distância dos anos e nunca mais os número quebrados, longos e definitivos.  Eu fio i emocionado ao ouvir uma mãe e um pai, neste período, ao soletrar  a idade inacabada do filho. O cuidado em ser preciso, exato, a preocupação ligeira em mostrar o quanto o nascimento não é esquecido, nem  por 24 horas. Posso descobrir o mês do aniversário e, com sorte, o signo da criança. Nenhum dia parece em vão, nenhum dia é descartado.

De modo semelhante, no namoro, o casal se deslumbra ao repetir a descrição de como se encontrou. Entra em falência com mimos e lembranças dados. Não se importa em exagerar, descobrir afinidades e propor jogos e enigmas. Todo  mês os namorados reafirmam que estão juntos, não cansam de jurar fidelidade e perguntar, perguntar, perguntar o que um sente pelo outro. Não que não saibam, mas é reconfortante ouvir de novo. Ouvir o que se gosta até assobiar a melodia e misturar a letra com algumas recordações.

O casamento deveria ser refeito mensalmente. Não fechar para balanço, não ser encerrado em um número inteiro. Que pudesse ser sempre insuficiente, inseguro, para que não perdêssemos  a tenção um minuto sequer e cuidássemos para que ele sobreviva ao nosso lado. Sem folga, sem compensação, sem demora.

Aceito férias no intervalo de um ano, aceito décimo terceiro no intervalo de um ano, mas esperar tanto temo para comemorar o aniversário de um amor é injusto. Que a soma seja diferente, não dizer mais que o casamento tem dez anos, mas 120 meses. E, se possível, contem os dias, as horas, entortem o bigude do relógio, virem as pálpebras pelo avesso.

Se já sofremos quando não declaramos o que nos incomoda, sofreremos o dobro se não declararmos o que nos alegra.

Merecemos aprender a contar os dias em que estamos livres, ao invés de enumerar com uma cruz os dias em que estamos presos.

Fabrício Carpinejar
Canalha