segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Poema




Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
pois por elas não perde as esperanças
de poder n'algum tempo ser contente.





Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu', inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.





Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.





Mas triste quem se sente magoado
d'erros em que não pode haver perdão,
sem ficar n'alma a mágoa do pecado.








Luis Vaz de Camões

domingo, 28 de agosto de 2011

XXX



Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.



Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.




E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;




E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Olavo Bilac

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Juízo anatômico da Bahia



Que falta nesta cidade?-Verdade.
Que mais por sua desonra? -Honra.
Falta mais que se lhe ponha? -Vergonha.
demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.




Quem a pôs neste socrócio? -Negócio.
Quem causa tal perdição? -Ambição.
E o maior desta loucura? -Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.




Quais são seus doces objetos? -Pretos.
Tem outros bens mais maciços? -Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? -Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.




Quem faz os círios mesquinhos? -Meirinhos.
Quem faz as farinhas tardas? -Guardas.
Quem as tem nos aposentos? -Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.




E que justiça a resguarda? -Bastarda.
É grátis distribuída?- Vendida.
Que tem, que a todos assusta? - Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa
que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.




Que vai pela cleresia? -Simonia.
E pelos membros da Igreja? -Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha? -Unha.
Sazonada caramunha
Enfim, que na Santa Sé
que mais se pratica é
Simonia, inveja, unha.




E nos Frades há manqueiras? - Freiras.
Em que ocupam os serões? -Sermões.
Não se ocupam em disputas? - Putas.
Com palavras dissolutas
Me concluís, na verdade,
Que as lidas todas de um Frade
São freiras, sermões, e putas.




O acúcar já se acabou? -Baixou.
E o dinheiro se extinguiu? -Subiu.
Logo já convalesceu? -Morreu.
A Bahia aconteceu
O que a um doente acontece,
Cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, subiu, e morreu.




A Câmara não acode? -Não pode.
Pois não tem todo o poder? -Não quer.
que o governo a convence? -Não vence.
Quem haverá que tal pense,
Que uma Câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.






Gregório de Matos

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Elegiazinha






Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.




Nelson Ascher

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Crônica de arroz de pato



O domingo frio e chuvoso traz algumas peculiaridades. A chegada de Elvis alguns dias antes já movimentava a casa de forma inusitada, ainda que nenhum rei mago tenha nos presenteado com ouro, incenso ou mirra. Elvis é o mais novo membro da família, um golden retriever bebê, que traz inegavelmente na cara – ou seja lá como se chama o rosto de um cão – os genes do avô, nosso saudoso Guga, que o deus dos cachorros o tenha em boa conta no paraíso cheio de ossos suculentos onde vivem os cachorros mortos.


Ninguém está se importando de verdade com o xixi nos tapetes e com os cocozinhos espalhados pela casa como pequenas obras da mais pura arte canina. Elvis já conquistou todo mundo aqui em casa. Sua chegada no dia 16 de agosto, coincidentemente o dia da morte de Elvis Presley, que lhe inspirou o nome, já foi assimilada como uma dessas coincidências mágicas e incríveis que não querem dizer nada, mas muito significativas de não sei o quê exatamente.

Além do pequeno Elvis, mordiscando pés de mesa, chinelos desavisados e fios de telefone, havia o arroz de pato. Almoços de domingo, ainda mais nos domingos frios e chuvosos, costumam ter essa capacidade rara de reunir à mesa sogras, marido e mulher, filhos adolescentes e, claro, pequenos golden retrievers. Preparado com muito empenho por minha mãe, que vem a ser a sogra de minha mulher e avó de meus filhos e nos faz uma visita, o arroz de pato desencadeou por alguns instantes uma cumplicidade especial.

Por mais que convivam, e passem juntos anos a fio, os membros de uma família estão quase sempre vivendo cada um a sua própria vida – e filhos adolescentes são exemplares na arte de estar perto estando longe (o que fazem, e o que pensam, afinal, durante aqueles longos períodos concentrados no computador ou trancados no banheiro?) – e os momentos em que realmente compartilham alguma coisa são bastante raros. E há as distâncias, as físicas e as psicológicas, além da própria dinâmica da vida, que como num universo em expansão afasta partículas de seu próprio núcleo. Pois foi o que me proporcionou, logo após a primeira garfada, em que num silêncio reverente constatatei que o sentido de um domingo frio e chuvoso pode estar camuflado num prato, o arroz de pato.

Por Tony Bellotto




sábado, 20 de agosto de 2011

Um cavalo humano



A Rádio Gaúcha, no programa Gaúcha Hoje, divulgou na última quinta-feira a notícia mais espetacular e fantástica do jornalismo brasileiro nos últimos 50 anos.

Avaliem se estou exagerando. Em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, Mato Grosso, um cavalo percorre desde abril passado, todos os dias, sete quadras da cidade e se dirige ao túmulo de seu ex-proprietário, que está sepultado há quatro meses no cemitério local.

O cavalo atravessa a cidade e vai visitar a sepultura do ex-dono. Todos os dias.

No primeiro mês após o falecimento de seu ex-proprietário, depõem os parentes do morto, o cavalo passava relinchando: “Parecia que ele estava chorando de saudade ou porque sabia que alguma coisa ruim tinha acontecido”.

“É só deixar o cavalo solto e ele já sabe para onde ir, caminha até o cemitério. E, entre tantas sepulturas, ele escolhe exatamente a de seu dono. Fica parado ali na lápide, balança com a cabeça para cima e para baixo e rende assim sua homenagem ao homem que o domou e cavalgava com ele todos os dias”, acrescenta a mãe do filho morto.

O cavalo Raposa acompanhou o cortejo do seu ex-dono até o cemitério, em meio a uma cavalgada em homenagem ao seu enterro, em abril passado.



Impressionante relação de afetividade existe entre animais e homens.

Há inúmeros casos de pessoas que caem mortas e seus cães não se arredam de junto aos cadáveres.

Mas este caso é o mais curioso e ricamente amoroso que se conhece, porque a homenagem póstuma que o cavalo presta a seu dono acontece há meses e parece que, se não for impedido, o cavalo irá visitar o túmulo de seu domador até o dia de sua própria morte.


Paulo Sant'Ana
Zero Hora 14/08/2011

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Jogo




Uma vez terminado o jogo,




o rei e o peão voltam




para a mesma caixa.

Dante Alighieri

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A morte



A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca inesperada
Ela que é na vida
A grande esperada !
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.






Vinicius de Moraes

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A folha




A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é a ilusão das coisas?

Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou, para ser senhor
de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?

A pretensão de ser homem
e não coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do Prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 14 de agosto de 2011

Pai e pais



Quando ouço falar em Dia dos Pais,



parece uma coisa tão vazia,



tão comercial,



tão automática.






Mas quando abraço meu pai



e sinto que agora



ele precisa de mim



tanto quanto



precisei dele



na infância ,



parece uma coisa tão grande,



tão intensa,



tão especial.






Silvia

sábado, 13 de agosto de 2011

Desfile de cabides



Não entendo nada de moda, mas de mulher eu entendo. Saí de dentro de uma e, algum tempo depois, entrei dentro de outra para fazer uma terceira que, modéstia à parte, é uma obra-prima. Mais por méritos de minha parceira do que por meus dotes pessoais. De qualquer forma, escorado pela ciência, reinvidico minha participação na autoria, já que contribuí com 23 cromossomos. Alguma coisa ali fui eu que fiz, nem que tenha sido a vesícula.

Independente da capacidade de saber, ou não, fazer mulheres, sei apreciá-las. Existe um equilibrio natural entre as formas e medidas femininas para que o conjunto resulte em algo que possa se chamar de belo. E a coisa toda não fique parecendo uma... girafa, por exemplo. A girafa é um bicho simpático mas mal projetado, um equívoco do departamento de design celeste.

Pois foi exatamente a imagem de uma girafa que me veio à mente quando, sentado no sofá, zappiando com o controle de TV na mão, parei boquiaberto em um canal que mostrava um desfile de moda. A guria vinha na minha direção, tão desengonçada e trocando as pernas, que achei que fosse cair. Gritei “caraca!” e comentei com minha mulher que a garota parecia ter bebido umas 2 garrafas de vodka.

A seguir veio outra, que parecia prima da primeira, depois outra e mais outra, todas da mesma família, a família Caniço. Era um desfile de cabides. Gente, essas gurias estão passando necessidade! Pensei em fazer um show beneficiente para arrecadar latas de leite em pó. E como estava pensando em voz alta, minha mulher emendou: “pede leite desnatado, senão não tomam”. O tom de ironia do comentário só revelava uma realidade preocupante: na ânsia de ficarem cada vez mais magras, essas garotas perderam o bom senso e viraram palitos, pele e osso. Qualquer ser humano nessas condições é considerado subnutrido pela Organização Mundial de Saúde.

Giselle Bündchen, a deusa de Horizontina, é a mulher mais linda do mundo. É magra sim, mas não esquelética. Tem as medidas certas. E tem até bundinha, como ela mesmo descobriu recentemente. Não sei como não havia se dado conta, eu e o Leonardo di Caprio já havíamos notado.

Ela é hoje a modelo a ser imitada. E não estou falando de beleza física. Giselle exala um tipo de brilho que não se consegue só com dieta alimentar. Na passarela, com equilíbrio e harmonia, ensina como é bonito um corpo em movimento. Certas pessoas têm essa capacidade de transformar em arte coisas simples, como o ato de caminhar.

É assim com Giselle Bündchen. Como foi com Greta Garbo.


Kledir Ramil

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mau despertar







Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva .



Ferreira Gullar

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ela




Não teve alternativa
E assumiu todas as dores
A dor da injustiça
A dor da incompreensão
A dor da violência
A dor do preconceito
A dor da violência
A dor da discriminação

Ao lutar pela felicidade
Conheceu o sofrimento
Ao optar pelo prazer foi apedrejada
Ao escolher a liberdade foi queimada
Ao reclamar seus direitos foi abandonada


Benditas sejam as Marias
As rainhas loucas e santas
As de todas cores
As de todos os credos
As poetas e mártires
São luzes para o remediável.


Dor é crescimento
Quem não passou por ela
Não viveu.


Fátima Campilho

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Despedida





Existem duas dores de amor:
A primeira é quando a relação termina e a gente,
seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva, á que ainda estamos tão embrulhados na dor que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também…

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender.
Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir, lembrança de uma época bonita que foi vivida… Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual a gente se apega. Faz parte de nós.
Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo,
que de certa maneira entranhou-se na gente, e que só com muito esforço é possível alforriar.

É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a ‘dor-de-cotovelo’ propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: “Eu amo, logo existo”.

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância,
mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo.


Martha Medeiros

Educação



Educação, para mim, é botar dentro do indivíduo,



além do esqueleto de ossos que já possui,



uma estrutura de sentimentos,



um esqueleto emocional.



O entendimento na base do amor.






Cecília Meirelles

domingo, 7 de agosto de 2011

Poema



Se morro
universo se apaga



como se apagam
as coisas deste quarto
se apago a lâmpada:
os sapatos - da - ásia, as camisas
e guerras na cadeira, o paletó -
dos - andes,
bilhões de quatrilhões de seres
e de sóis
morrem comigo.

Ou não:
o sol voltará a marcar
este mesmo ponto do assoalho
onde esteve meu pé;
deste quarto
ouvirás o barulho dos ônibus na rua;
uma nova cidade
surgirá de dentro desta
como a árvore da árvore.

Só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens
a mesma história que eu leio, comovido .






Ferreira Gullar

sábado, 6 de agosto de 2011

Entre amigos



Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.

Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.

Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contruído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.

Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.

Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.

Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.

Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.

Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.

Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.

Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.



Martha Medeiros

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O poeta pede ao seu amos que lhe escreva



Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

Frederico Garcia Lorca

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Pontos de vista






Na minha infancia,quando eu me excedia
quando eu fazia alguma coisa errada
se alguém ralhava minha mãe dizia
-Ele é uma criança,não entende nada!

Por dentro eu ria satisfeito e mudo.
Eu era um homem,entendia tudo.

Hoje que escrevo poemas
e pareço ter tido algum estudo
dizem quando me veem com os meus problemas:
-Ele é um homem,ele entende tudo!

Por dentro,alma confusa e atarantada
eu sou criança,não entendo nada. ...


Giuseppe Ghiaroni

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O cavalinho branco



À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:


mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.


O cavalo sacode a crina
loura e comprida


e nas verdes ervas atira
sua branca vida.


Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos


a alegria de sentir livres
seus movimentos.


Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!


Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

Cecilia Meireles