quarta-feira, 31 de março de 2010

O Olho




O Olho é uma espécio de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas,
naufrágios e peixes de ouro.

Mas por dentro há outras pinturas,
que não se veem:
umas são imagens do mundo,
outras são invetadas.

O Olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.

Cecília Meireles

terça-feira, 30 de março de 2010

Monte Castelo

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria.

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em si perder.

É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor
É um ter com quem nos mata lealdade.
Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem, todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face.

É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria.

Renato Russo (recortes do Apóstolo Paulo e de Camões)


Auto-retrato



Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

Manuel Bandeira

Afinidade


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
E o mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro
retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto
no exato ponto em que foi interrompido.


Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo para o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.


Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de códigos
verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento,
irradia durante e permanece depois que
as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar
a um não afim, sai simples e claro diante
de alguém com quem você tem afinidade.


Afinidade é ficar longe pensando parecido a
respeito dos mesmos fatos que impressionam comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavras.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento


Afinidade é sentir com. Nem sentir contra,
nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente,
mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado,
não para eles próprios.


Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar, ou, quando falar,
jamais explicar: apenas afirmar.


Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.


Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.
É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quanto das impossibilidades vividas.


Afinidade é retomar a relação no ponto em que
parou sem lamentar o tempo de separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser,
cada vez mais a expressão do outro sob a
forma ampliada do eu individual aprimorado.

Arthur da Távola

domingo, 28 de março de 2010

Aprendizado

Imagem:http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/ladob/index.shtml?ladob

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo que da alegria foste ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome

Ferreira Gullar




http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/porelemesmo/aprendizado.shtml?porelemesmo o que a alimenta.

sábado, 27 de março de 2010

Pudim

Não há nada que me deixe mais frustrada
do que pedir Pudim de sobremesa,
contar os minutos até ele chegar
e aí ver o garçom colocar na minha frente
uma fatia minúscula do meu pudim preferido.
Uma só.

Quanto mais sofisticado o restaurante,
menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência,
comprar um pudim bem cremoso
e saborear em casa com direito a repetir quantas
vezes a gente quiser,
sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.

O PUDIM é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.

A vida anda cheia de meias porções,
de prazeres meia-boca,
de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.

Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.

Conquista a chamada liberdade sexual,
mas tem que fingir que é difícil
(a imensa maioria das mulheres
continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').

Adora tomar um banho demorado,
mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.

Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo,
mas tem medo de fazer papel ridículo.

Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD,
esparramada no sofá,
mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...

Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta
e existencialmente sem-graça,
enquanto a gente vai ficando melancolicamente
sem tesão...

Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.

Ser ridícula, inadequada, incoerente
e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou
e disse uma frase mais ou menos assim:
'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'...

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem,
podemos (devemos?) desejar
vários pedaços de pudim,
bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados,
a água batendo sem pressa no corpo,
o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.

Por isso, garçom, por favor, me traga:
um pudim inteiro
um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order',
uma caixa de trufas bem macias
e o Richard Gere, nu, embrulhado pra presente.
OK?
Não necessariamente nessa ordem.

Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago . .
Martha Medeiros

Língua Portuguesa




Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


Olavo Bilac

Doença da Solidão


Há quem pense que dor de dente só dá em pobre e depressão em rico.
Realmente, nunca se ouviu dizer que um pedreiro tivesse depressão.
Eu entendo que o pedreiro possa ter depressão, mas ele tem tanto a sofrer pela sua pobreza, que não há de querer atribuir a uma outra causa a sua tristeza que não seja o ganhar pouco e quase não poder manter-se com o pouco que ganha.
Então, o pedreiro depressivo segue a vida sem se dar conta de sua depressão.

Já a pessoa, digamos assim, que ganha em torno ou mais de 10 salários mínimos, esta tem sua sobrevivência garantida e sem aflições e, quando se apanha envolta em tristeza permanente, cogita que tenha depressão.
O fato é que a depressão existe, sim, e é alvo de atenção de psiquiatras e outros cientistas afins.
É um estado permanente de grave tristeza. Às vezes tem motivo, outras vezes as pessoas que são alvo dela não atinam para o que possa estar assim as derrubando, sem alegria, a vida sem sentido, uma pura desistência.
O sorriso, a pilhéria, a confraternização, qualquer comemoração, são fatos violentamente adversos à depressão.

Se uma pessoa depressiva receber um convite escrito para uma festa, fará com aquele papel o que faz com todos os papéis sem importância: irá jogá-lo na cesta do lixo.
Um depressivo estraga qualquer festa a que vá. Pelo menos chateia a todos os que o circundarem com um mau humor intolerável.

Porque todos os que vão a uma festa são os insistentes: estão lá porque são os combatentes, os que persistem em serem alegres e encarar a vida com otimismo.
E o depressivo nem vai à festa, não tem nada que fazer lá.
Se for à festa, trombará inapelavelmente com a alegria dos outros, não verá sentido para si por tanto contentamento e otimismo… dos outros.
É uma doença séria a depressão, mas felizmente já existem remédios ótimos para essa melancolia, além da psicoterapia.
Além de depressivo, como se viu acima, o triste depara com uma profunda solidão, pois ele se separa dos outros, qualquer companhia agravará ainda mais o seu problema.
E, se não é doença a solidão deliberada, a autocondenação à não convivência, então não sei mais o que é doença.
Tudo o que dói é doença.

Paulo Sant'Ana
Zero Hora

http://wp.clicrbs.com.br/paulosantana/2010/01/09/doenca-da-solidao

terça-feira, 23 de março de 2010

A Vida


Na água do rio que procura o mar;
No mar sem fim; na luz que nos encanta;
Na montanha que aos ares se levanta;
No céu sem raias que deslumbra o olhar;
No astro maior, na mais humilde planta;
Na voz do vento, no clarão solar;
No inseto vil, no tronco secular,
- A vida universal palpita e canta!


Vive até, no seu sono, a pedra bruta...
Tudo vive! E, alta noite, na mudez
De tudo, - essa harmonia que se escuta
Correndo os ares, na amplidão perdida,
Essa música doce, é a voz, talvez,
Da alma de tudo, celebrando a Vida!


Olavo Bilac

Coisas de Mulher


Realmente somos diferentes: nós somos daqui e ‘eles’ de lá!


Nós, mulheres, temos coisas que os homens não entendem: uma delas são nossas bolsas!
Entra ano, sai ano nossas bolsas continuam as mesmas: uma mala. Enquanto isso os homens conseguiram abolir suas pochetes, suas carteiras, suas bolsas ‘tiracolo’ que viraram quase envelope, tipo cartão de apresentação. Passaram a sair, apenas, com o cartão de crédito e uns trocados. Colocam esse ‘arsenal’ num dos cinqüenta bolsinhos das calças. Não sabem nem onde vão colocar as mãos que ficam voando por aí. E o interessante é que dá certo: ficam com liberdade e diminuem o ‘risco’ de serem roubados.

Conosco o negócio já é diferente: ficamos felizes carregando nossa mala de tamanho descomunal. Eu não faço parte do time das mulheres grandes: mas estou à procura da maior bolsa do mundo. Que caiba tudo. Os homens não têm a noção do que carregamos! Mas somos assim: gostamos de sair levando a nossa casa! O que vira tortura é acharmos as coisas dentro da bolsa.

Outra coisa é o fôlego que temos para percorrer as 400 lojas de um shopping e, em várias delas, pedir reserva da mercadoria por uma hora. Terminada a via-crúcis, voltamos pra casa: pensamos e pensamos... E a dúvida continua. Porém, tudo vira surpresa: acabamos comprando o que nem cogitávamos. Maravilha. Os homens agüentam isso? Não: eles têm aquela coisa sem graça, de comprar no primeiro impulso sem ver cor, preço e pesquisar outros modelos. Compram no desatino.

Nós, mulheres, temos orgulho de sermos diferentes: curtimos a compra. Ficamos horas olhando as ‘araras’ cheias de cabides, as prateleiras abarrotadas de blusas que temos certeza que não vamos comprar. Eu não tenho muita objetividade no quesito ‘comprar’; sempre fica uma dúvida. E isso não deixa de ser um exercício, algo de cunho educativo: olhar e não levar. Acho que pelo fato de sermos assim, nossos sentidos são mais aguçados: ficamos na observação, o que não deixa de ser uma vantagem.

Supermercado? É gostoso se curtirmos as promoções: salsichão enfarofado, iogurtes, sucos, cafés... Aquela coisa bem descarada: provar e não comprar; fazer uma ‘ondinha’ pra matar a fome. Agir assim, com tamanha desfaçatez é coisa de mulher! E ainda buscamos outro pedacinho para o marido ou namorado provar, já que ele nem viu a gostosura. Passou de fórmula 1! Não viu aquele churrasquinho maravilhoso.

Confesso, porém, que muitas vezes somos chatas: não cobramos pra dar conselhos: temos a mania de tentar resolver os afetos das amigas, dar conselhos na cor dos cabelos, no corte, na educação dos filhos, aconselhamos como descartar o cara chato, damos palpites na maneira que o colega se veste, que fala, e que gesticula... E ainda receitamos uns remedinhos. Temos uma ânsia por ajudar que não tarda a virar uma neura. Desgastante. Mas são coisas de mulher.

Nosso lado multifacetado ainda nos torna abnegadas. Somos felizes quando amamos um só homem, e quando somos amadas verdadeiramente. E não precisamos provar nada... Portanto, vocês, homens, não critiquem muito nossas manias: são coisas de mulher!

Taís Luso de Carvalho

Inédito


meu caro estranho, nossa estranheza nos levou à cama
e seguimos nos desconhecendo
não perguntei de onde vieram tuas cicatrizes
e não me perguntaste se eu já havia usado o cabelo mais curto
simplesmente nos beijamos e dispensamos todos os porquês
fui uma mulher qualquer e fostes mais um homem
e se esse descompromisso não merece ser chamado de amor
ainda assim não carece ser desfeito e esquecido

meu caro estranho,
mesmo nos amores não há nada muito além disso


Martha Medeiros
http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp/default.jsp?source=DYNAMIC,blog.BlogDataServer,getBlog&pg=1&template=3948.dwt&tipo=1§ion=Blogs&p=1&coldir=2&blog=255&topo=3994.dwt&uf=1&local=1

domingo, 21 de março de 2010

Perdedor, Vencedor


O perdedor cumprimentou o vencedor. Apertaram-se as mãos por cima da rede. Depois foram para o vestiário, lado a lado. No vestiário, enquanto tiravam a roupa, o perdedor apontou para a raquete do outro e comentou, sorrindo:

– Também, com essa raquete...

Era uma raquete importada, último tipo. Muito melhor do que a do perdedor. O vencedor também sorriu, mas não disse nada. Começou a descalçar os tênis. O perdedor comentou, ainda sorrindo:

– Também, com esses tênis...

O vencedor quieto. Também sorrindo. Os dois ficaram nus e entraram no chuveiro. O perdedor examinou o vencedor e comentou:

– Também, com esse físico...

O vencedor perdeu a paciência.

– Olha aqui – disse. – Você poderia ter um físico igual ao meu, se se cuidasse. Se perdesse essa barriga. Você tem dinheiro, senão não seria sócio deste clube. Pode comprar uma raquete igual à minha e tênis melhores do que os meus. Mas sabe de uma coisa? Não é equipamento que ganha jogo. É a pessoa. É a aplicação, a vontade de vencer, a atitude. E você não tem uma atitude de vencedor. Prefere atribuir sua derrota à minha raquete, aos meus tênis, ao meu físico, a tudo menos a você mesmo. Se parasse de admirar tudo que é meu e mudasse de atitude, você também poderia ser um vencedor, apesar dessa barriga.

O perdedor ficou em silêncio por alguns segundos, depois disse:

– Também, com essa linha de raciocínio...


LF Verissimo

ZH 21/03/2010

sábado, 20 de março de 2010

Reflexões


Durante esses anos de vida, pude compreender que:


* Não existe comida ruim, existe comida mal temperada.


* Amor não se implora, não se pede. Amor se vive ou não.


*O ciúmes não torna ninguém fiel a você. (Muito pelo contrário)


*As pessoas que falam dos outros para você, vão falar de você para os outros.


*Perdoar e esquecer nos torna mais jovens.


*A criatividade caminha junto com a falta de dinheiro.


*Ser autêntico é a melhor e a única forma de agradar.


*Carinho é a melhor arma contra o ódio.


*Filhos são presentes divinos.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Letra P


Pedro Paulo Pereira Pinto, pequeno pintor português, pintava portas, paredes, portais. Porém, pediu para parar porque preferiu pintar panfletos. Partindo para Piracicaba, pintou prateleiras para poder progredir.

Posteriormente, partiu para Pirapora. Pernoitando, prosseguiu para Paranavaí, pois pretendia praticar pinturas para pessoas pobres. Porém, pouco praticou, porque Padre Paulo pediu para pintar panelas, porém posteriormente pintou pratos para poder pagar promessas.

Pálido, porém personalizado, preferiu partir para Portugal para pedir permissão para papai para permanecer praticando pinturas, preferindo, portanto, Paris.

Partindo para Paris, passou pelos Pirineus, pois pretendia pintá-los. Pareciam plácidos, porém, pesaroso, percebeu penhascos pedregosos, preferindo pintá-los parcialmente, pois perigosas pedras pareciam precipitar-se principalmente pelo Pico, porque pastores passavam pelas picadas para pedirem pousada, provocando provavelmente pequenas perfurações, pois, pelo passo percorriam, permanentemente, possantes potrancas.

Pisando Paris, pediu permissão para pintar palácios pomposos, procurando pontos pitorescos, pois, para pintar pobreza, precisaria percorrer pontos perigosos, pestilentos, perniciosos, preferindo Pedro Paulo precaver-se.

Profundas privações passou Pedro Paulo. Pensava poder prosseguir pintando, porém, pretas previsões passavam pelo pensamento, provocando profundos pesares, principalmente por pretender partir prontamente para Portugal. Povo previdente! Pensava Pedro Paulo... Preciso partir para Portugal porque pedem para prestigiar patrícios, pintando principais portos portugueses. – Paris! Paris! Proferiu Pedro Paulo.

Parto, porém penso pintá-la permanentemente, pois pretendo progredir. Pisando Portugal, Pedro Paulo procurou pelos pais, porém, papai Procópio partira para Província. Pedindo provisões, partiu prontamente, pois precisava pedir permissão para papai Procópio para prosseguir praticando pinturas.

Profundamente pálido, perfez percurso percorrido pelo pai. Pedindo permissão, penetrou pelo portão principal. Porém, papai Procópio puxando-o pelo pescoço proferiu: Pediste permissão para praticar pintura, porém, praticando, pintas pior. Primo Pinduca pintou perfeitamente prima Petúnia. Porque pintas porcarias? Papai – proferiu Pedro Paulo – pinto porque permitiste, porém, preferindo, poderei procurar profissão própria para poder provar perseverança, pois pretendo permanecer por Portugal.

Pegando Pedro Paulo pelo pulso, penetrou pelo patamar, procurando pelos pertences, partiu prontamente, pois pretendia pôr Pedro Paulo para praticar profissão perfeita: pedreiro! Passando pela ponte precisaram pescar para poderem prosseguir peregrinando.
Primeiro, pegaram peixes pequenos, porém, passando pouco prazo, pegaram pacus, piaparas, pirarucus. Partindo pela picada próxima, pois pretendiam pernoitar pertinho, para procurar primo Péricles primeiro. Pisando por pedras pontudas, papai Procópio procurou Péricles, primo próximo, pedreiro profissional perfeito.

Poucas palavras proferiram, porém prometeu pagar pequena parcela para Péricles profissionalizar Pedro Paulo. Primeiramente Pedro Paulo pegava pedras, porém, Péricles pediu-lhe para pintar prédios, pois precisava pagar pintores práticos. Particularmente Pedro Paulo preferia pintar prédios. Pereceu pintando prédios para Péricles, pois precipitou-se pelas paredes pintadas. Pobre Pedro Paulo pereceu pintando...

Permita-me, pois, pedir perdão pela paciência, pois pretendo parar para pensar... Para parar preciso pensar.

Pensei. Portanto, pronto pararei.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Castigo


Aceitar o castigo imerecido
não por fraqueza, mas por altivez.
no tormento mais fundo o teu gemido
trocar num grito de ódio a que o fez.


As delícias da carne e pensamento
com que o instinto da espécie nos engana,
sobpor ao generoso sentimento
de uma afeição mais simplesmente humana.


Não tremer de esperança e nem de espanto.


Nada pedir nem desejar senão a coragem
De ser um novo santo. sem fé num mundo além do mundo.

E então morrer sem uma lágrima que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.


Manuel Bandeira

Notícia


Poema Tirado de uma Notícia de Jornal

João gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia
[num barracão sem número].
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.


Manuel Bandeira

terça-feira, 16 de março de 2010

Amigo


VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS

Quem é seu melhor amigo(a)? Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), frequenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco. Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano. São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo. Mas fique esperto. Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir-se incluído num grupo, de pertencer a uma turma. Perde-se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.

Entre iguais, tudo é igual. A vida ganha movimento é na diferença. Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado. Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada. E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.

Para os de meia-idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante. No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office-boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca. Vale inclusive pai e mãe.


Martha Medeiros

domingo, 14 de março de 2010

Descontrair


SONETO LIVRE AO ENDIVIDADO

Cada dia que passa chega uma fatura
Cartões de crédito, água, luz e telefone
Os desgraçados ainda abreviam sobrenome
Que saudade da venda da esquina, da fartura

Local onde vendiam fiado e chamavam pelo nome
Hoje sou só um cpf com caixa de correio
Se inventar de pagar todas as contas passo fome
O que é pior é que o mês recém está no meio

Agora vou me jogar nos braços da inadimplência
Jogar tudo às favas ou qualquer outra indecência
E os meus credores que procurem o juizado

Vou me aposentar e não pagar nenhuma conta
Com a taxa de juros vai ficar em alta monta
Por isso vou cuidar de contratar advogado.

Decimar Biagini e Wasil Sacharuk
março2010


http://sacharuk.blogspot.com/

sexta-feira, 12 de março de 2010

Gramática


De Gramática e de Linguagem

E havia uma gramática que dizia assim:
“Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta”.

Eu gosto das cousas. As cousas sim !…
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso.
As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante…)


As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.


E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? Não importa: João vem!
E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso…João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João…


Mas o bom mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. Luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.

Ainda mais: Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto…


Mario Quintana
Nariz de Vidro

quinta-feira, 11 de março de 2010

Amigo


De que matéria e substância é feito um amigo? Como pode um estranho equiparar-se a nosso pai e a nossa mãe, até mesmo sobrepujá-los em lealdade e dedicação?

Que amálgama une um amigo a outro? Em que mistura de elementos se alicerça afinal uma amizade?

Não há dúvida de que a amizade suplanta o amor por não correr o risco de ser efêmera.

É essa perenidade que diferencia a amizade do amor e a faz mais nobre que o amor.

Quando cessarem todos os recursos, quando ficar de prontidão a voz dos necrológios para gritar que você morreu, ainda restará na última cidadela de proteção um amigo.

O amigo é o mais sólido, o mais imarcescível abrigo contra a solidão devastadora.

O grande óbice ao desespero é um amigo, o único obstáculo ao suicídio é um amigo.

Por que ele é amigo, não se saberia dizer. É amigo como um cão fiel, sem motivo, trata-se de uma simples escolha.

Há pessoas que nasceram para ser amigos. É da sua natureza ajudar, amparar, estar ao lado, construir, velar, mourejar em pura amizade.

O amor também se diferencia da amizade porque esta é absolutamente desinteressada.

O amigo ajuda o outro amigo porque esta é a sua missão, a de dar sentido à vida do outro.

No amor, um dos amantes ama o outro porque a felicidade do outro fá-lo lucrar.

Na amizade, um amigo ajuda o outro sem lucrar nada, apenas para ajudar, amparar, diligenciar.

Mil vezes, se eu tiver de escolher, preferiria ter um grande amigo a um grande amor.

E, se eu tiver um grande amor, ele sobreviverá aos tempos e se tornará perpétuo só no caso de que ele se transforme em uma grande amizade.

O amor é temporal, a amizade é eterna.

Se me faltarem todas as forças, se todos os elementos que me mantêm erguido soçobrarem, ainda assim permaneço em vida e prossegue acesa no meu coração a chama da esperança, se um amigo existir.

A vida só pode cessar quando faltar um amigo. Um amigo é infinitamente mais útil que a riqueza, o luxo, a fartura e a ostentação.

O maior tesouro da vida é um amigo.

A maior e mais importante desgraça é a falta de um amigo.

Cultive um amigo, se é que se possa cultivá-lo, se é que essa atração que o move não seja simplesmente natural e espontânea.

Agradeça ao seu amigo, embora ele exista independentemente de qualquer agradecimento ou homenagem. Quando se dedica, não está em busca de gratidão, ele só é amigo porque é da sua vocação telúrica a amizade.

Procure saber se você tem, no seu círculo de amizades, um amigo.

Se o tiver, só assim a vida terá sentido.


Paulo San'Ana


Zero Hora, 11/03/2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

Maria



Maria acorda, pega ônibus, toma chuva, recebe ordens, lava passa esfrega limpa encera cozinha costura seca estende guarda arruma lava passa esfrega limpa encera cozinha costura seca estende guarda arruma lava passa esfrega limpa encera cozinha costura seca estende guarda arruma lava passa esfrega limpa encera cozinha costura seca estende guarda arruma.


Nós pagamos um salário mínimo.


Marcelo Spalding

Minicontos e muito menos

segunda-feira, 8 de março de 2010

Letra e música



Alma

Há almas que têm
As dores secretas
As portas sempre abertas
Sempre pra dor
Há almas que têm
Juízo e vontades
Alguma bondade
E algum amor
Há almas que têm
Espaços vazios
Amores vadios
Restos de emoção
Há almas que têm
A mais louca alegria
Que é quase agonia
Quase profissão

A minha alma tem
Um corpo moreno
Nem sempre sereno
Nem sempre explosão
Feliz esta alma
Que vive comigo
Que vai onde eu sigo
O meu coração

Sueli Costa e Abel Silva

domingo, 7 de março de 2010

Mudanças


Mulher Boazinha

Qual o elogio que uma mulher adora receber?
Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns setecentos: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais.
Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
Mas não pense que o jogo está ganho: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.


Agora quer ver o mundo cair? Diga que ela é muito boazinha. Descreva aí uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastel, calçados rente ao chão.
Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.
Nunca teve um chilique.
Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos.


Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos.
A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.


Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um
desejo incontrolável de virar a mesa.
Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais.
Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Pitchulinha é coisa de retardada.
Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam-se com a coadjuvância.
PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje.
Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.

Martha Medeiros

quinta-feira, 4 de março de 2010

Espera


Esperemos

Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -


existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.

Pablo Neruda

segunda-feira, 1 de março de 2010

Assim



Assim como o oceano
Só é belo com luar

Assim como a canção
Só tem razão se se cantar


Assim como uma nuvem
Só acontece se chover

Assim como o poeta
Só é grande se sofrer

Assim como viver
Sem ter amor não é viver


Não há você sem mim
Eu não existo sem você .


Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim