domingo, 24 de fevereiro de 2013

Frases


Duas coisas são infinitas:
o universo e a estupidez humana.

Mas, no que respeita ao universo,
ainda não adquiri a certeza absoluta.

Einstein

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Prosopagnosia



Eu estava na fila do cinema, e ela dois passos à frente. Ela virava para trás, me olhava, e logo virava para frente de novo. Até que numa dessas viradas ela disse oi. Eu retribui: Oi. Ela: É isso aí, tu não me conhece, mas eu te conheço: tem que cumprimentar.

Eu sei, amiga.

Leitores me cumprimentam sem que eu os conheça, e tudo certo, já que há uma foto minha ao lado da coluna do jornal. Só vira um problema quando eu realmente conheço a pessoa que me cumprimenta, já conversei com ela em algum momento da vida, e não faço ideia de quem seja. Escrevi certa vez sobre isso: se a pessoa é a recepcionista da minha médica, e sempre a vejo de coque e de uniforme branco, ao passar por mim de vestido floreado e cabeleira solta no shopping, não vou reconhecê-la. Se o sujeito com quem cruzo na academia, sempre de calção e camiseta, entrar no restaurante de camisa polo e um blusão amarrado em torno do pescoço, não vou reconhecê-lo. Se o porteiro do meu prédio for filmado na arquibancada de um estádio vestindo a camiseta do seu time e segurando um cartaz dizendo “Olha eu aqui, Galvão”, periga o Galvão saber quem é: eu, não. Tenho uma incapacidade crônica de identificar pessoas fora do habitat em que costumo encontrá-las.

Sempre me justifiquei dizendo “Sou péssima fisionomista”, que é um chavão, mas não é mentira, e que, aliado aos meus três graus de astigmatismo, me garantia o perdão de algumas boas almas. Até que outro dia entrei numa loja de conveniências, um cara abriu os braços ao me ver e disse numa alegria comovente: “Marthinha!”. Achei meio íntimo para um leitor. Sorri amarelo e dei um “oi” igual ao que ofereci à moça da fila do cinema. Ele insistiu: “Martha, sou eu!”. Socorro, eu quem? Então ele disse seu nome. Pasme: era um ex-namorado!! A meu favor, deponho que foi um namorado da época da faculdade (não me obrigue a fazer as contas), mas, ora, ainda que tenha sido no tempo das cavernas, conviveu comigo. Ao menos o seu olhar deveria ser o mesmo. Me senti um inseto.

Pois bem, depois de anos soterrada em culpa, descubro que a medicina está do meu lado. Acabo de saber que “sou péssima fisionomista” possui nome científico: prosopagnosia. Uma doença que debilita a área do cérebro que distingue traços e expressões faciais. Estou lendo o excelente Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, cujo personagem vive o mesmo desconforto. Alguns médicos dizem que há apenas 100 casos diagnosticados no mundo – provavelmente eu e outros 99 acusados injustamente de ter o nariz em pé. Mas há quem diga também que o problema é mais comum do que se pensa e que atinge uma a cada 50 pessoas, ou seja, é praticamente uma epidemia.

Comum ou incomum, me concedam o benefício da dúvida: talvez eu seja uma pobre vítima da prosopagnosia e por isso não saio por aí dando dois beijinhos e perguntando pela família de quem, a priori, nunca vi antes. Se não for prosopagnosia, acredite: é astigmatismo evoluindo para uma catarata, somada a uma palermice que me dificulta distinguir semblantes. Nariz em pé, juro que não é.


Martha Medeiros
Zero Hora 13/01/2013

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Acertar

Mesmo um relógio parado
 consegue
estar certo
 duas vezes
por dia!

Paulo Coelho

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Frágil ?


"Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar,

 como sou forte o bastante para uma palavra me ressuscitar."


Bartolomeu Campos de Queirós

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ideia de jerico



Semanas atrás, Zero Hora publicou uma matéria sobre um recém-lançado dicionário de palavras mortas, a exemplo de “boco-moco” e “sirigaita”. Em 1997, escrevi uma crônica intitulada Grande África que tratava desse mesmo assunto divertido. Adoro vocabulário vintage, e eu incluiria a expressão “ideia de jerico” entre as que sobreviveram, mesmo cheirando a naftalina. Pelo menos foi ela que me veio à cabeça quando soube que tem alguém tentando promover um projeto de lei popular que decretaria visibilidade zero para cigarros e bebidas, em qualquer mídia, em qualquer lugar – restrição absoluta, tanto visual quanto auditiva. Seria como se bebida e cigarro tivessem deixado de existir.

Ideia de jerico.

Se for uma proposta xiita como parece, revistas de viagens teriam que ter algumas fotos vetadas: não poderiam, por exemplo, mostrar imagens da La Bodeguita del Medio, em Havana, com suas garrafas de rum nas prateleiras. Aliás, os livros de Hemingway, Bukowski e outros beberrões teriam que deixar de ser reeditados ou sofrer censura, pois poderiam ser cúmplices da tal “visibilidade” – a simples menção de uma palavra como uísque poderia estimular o vício do leitor.

Quadros representando a Santa Ceia teriam que ser retirados das igrejas e dos sacrossantos lares, pois é sabido que Jesus não tomava Coca-Cola. Aliás, a missa também teria que se adaptar ao projeto de lei. Repartir o pão, tudo bem, mas vinho, sem chance.

Na hipótese de recebermos uma mostra de quadros impressionistas, o Absinto, de Degas, ficaria proibido de ser exposto. A imagem de Rita Hayworth como Gilda só circularia no mercado negro. O filme Sobre Café e Cigarros, de Jim Jarmusch, e Obrigada por Fumar, de Jason Reitman, seriam retirados das locadoras. A série Mad Man sofreria sanções inimagináveis.

Capas de livros. Camisetas. Cartazes de filmes. Fotos de moda. Textos de teatro. Biografias. Tudo o que fizesse menção ao tabagismo ou ao álcool, fogueira neles. Inquisição, o Retorno.

Sem falar na música popular brasileira. Cálice, de Chico Buarque, Chuva, Suor e Cerveja, de Caetano Veloso, e Brasil, de Cazuza, nunca mais tocariam nas rádios, assim como uma série de canções de Nana Caymmi, Zeca Baleiro, Luiz Gonzaga, Maria Bethânia, Ney Matogrosso – até Roberto Carlos já falou em cigarro em uma de suas letras, acredite. E todas as duplas sertanejas seriam banidas da face da terra. O que, pensando bem... deixa pra lá.

O politicamente correto tem um pé na boa intenção e outro pé na repressão à liberdade. Costumo ser defensora acirrada da ética, mas não contem comigo para dar trela aos excessivamente bonzinhos, que pretendem higienizar o universo com medidas estapafúrdias que, espero, nunca serão levadas a sério. Se começarem a restringir a arte e a livre expressão, zzzzzzzzz, o tédio dominará o mundo e colocará todos para dormir mais cedo.



MARTHA MEDEIROS
Zero Hora 09/01/2013