sábado, 31 de março de 2012

Ronda



O toque do sino
o latido do cão
o ruído de passos.
É tudo tempo pretérito
que conjugaremos até a morte?
Que noite é essa
que amanhã reconheceremos?
Que corpo é esse
que não é o nosso?
Em que pensamos nessa madrugada
de sombras que se arrastam até o futuro
onde logo mais estaremos e não estaremos?
Quem somos nós aqui
que já não recordamos?
Que tempo passa e não passa
ó almas que não dormem nunca?


Lenilde Freitas

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sábios




Uma pessoa inteligente aprende com os seus erros,
uma pessoa sábia aprende com os erros dos outros.






Augusto Cury

terça-feira, 20 de março de 2012

Canção a caminho do céu




Foram montanhas? foram mares?
foram os números...? - não sei.
Por muitas coisas singulares,
não te encontrei

E te esperava, e te chamava,
e entre os caminhos me perdi.
Foi nuvem negra? maré brava?
E era por ti!



As mãos que trago, as mãos são estas.
Elas sozinhas te dirão
se vem de mortes ou de festas
meu coração.

Tal como sou, não te convido
a ires para onde eu for.



Tudo que tenho é haver sofrido
pelo meu sonho, alto e perdido,
- e o encantamento arrependido
do meu amor.



Cecília Meireles

domingo, 18 de março de 2012

Volúpia



"No fundo, não há bons nem maus.
Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem
e os que sentem prazer em fazer o mal.
Tudo é volúpia…"

Mário Quintana

sexta-feira, 16 de março de 2012

Quero ser teu amigo




Quero ser o teu amigo.
Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo,
de acertar nossas distâncias...

Fernando Pessoa

quarta-feira, 7 de março de 2012

Estranha sombra





A noite entra
sem levantar os olhos.

A lâmpada acesa
é mero lampejo
— sorriso sem alegria.

No desenho do prato
sobre a mesa
um pássaro cruza o horizonte
onde rubra declina a luz do dia.

Por que sangra
o céu desta paisagem?

Por que resmunga
lá fora a ventania?


Lenilde Freitas

terça-feira, 6 de março de 2012

Perdoe seus pais



Gostamos mais de punir do que amar e perdoar. Para reclamar e cobrar, não pensamos duas vezes. Para desculpar, ainda estamos pensando.

Todo marido ou esposa sofre com a separação. É resistir ao transbordamento do ressentimento, acompanhar com pesar a transformação de uma personalidade atenta e interessada em tudo o que você diz para um ente completamente estranho, indiferente e amargo, que mal olha em seus olhos.

Se a antipatia declarada do divórcio já atormenta, não conheço algo mais cruel do que a distância de uma mãe de seu filho. Quando o filho rompe com os pais velhos e demora a fazer as pazes, confiando num futuro infinito para a reconciliação.

Na praia do Cassino, a amiga Berenice, 73 anos, comprou duas casas geminadas, uma para si e outra para seu filho, Juvenal, 39.

O que ela não previa era o estremecimento das relações entre os dois. O boicote filial vem durando quatro veraneios.

Juvenal prepara churrasco, recebe amigos e familiares, brinca com os vizinhos, e jamais convida sua mãe a participar de qualquer festa. Ela fica na varanda, triste e sonolenta, observando a algazarra, mexendo sua cadeira de balanço para trás e para frente.

Juvenal passa de manhã pela residência materna, que é caminho da padaria, e não a cumprimenta nem na ida, muito menos na volta. Atravessa reto, como se ela não existisse, como se fosse um túmulo desconhecido.

Seu desprezo extrapolou a conta. Mesmo que tenha razão em brigar, não há sentido em prolongar a dor de alguém que envelheceu.

Ela experimentou 60 dias na praia com a expectativa de uma retomada dos laços com sua criança grande. E os dias são décadas para a terceira idade. E as décadas são séculos para os cabelos grisalhos.

Não tomava banho de mar para não correr risco de perder o reencontro. Mantinha-se tricotando na entrada, despistando o choro da voz. Uma Penélope do próprio ventre. Uma viúva de suas vísceras.

É um erro forçar que nossos pais mudem de comportamento, é uma tolice educá-los com reprimendas e devolver castigos da infância, é inútil propor que eles concordem com nossas opiniões. Forçar uma retratação não tem sentido. O ódio é apenas um segundo nome da dependência.

O filho sempre será o lado mais fraco, acostume-se, o lado que deve ceder. Não é justo brigar com quem tem o dobro de nossa idade. Podemos guerrear com irmão, virar as costas a um amigo, onde ocorre uma equivalência etária, onde haverá tempo para acertar as arestas.

Mas nunca destrate pai e mãe enrugados. Finja que concorda. Mude de assunto. Não seja o centro da discórdia. Não prolongue o mal-estar. Estar certo não nos acrescenta em importância.

Esqueça o rancor. Antes que a morte seja a última lembrança. E o arrependimento cubra a lápide com a voracidade dos inços.


Fabricio Carpinejar
Zero Hora 06/03/2012

sábado, 3 de março de 2012

Quando eu quero ser mau

A melhor qualidade que um ser humano pode ter é a bondade. Kant não concordaria. Do alto de sua capacidade filosófica germânica, ele não considerava a bondade predicado. Por uma razão irredutível: por ser inata. Quer dizer: a pessoa nasce com aquilo, não se esforça para sê-lo. Como a beleza física – não existe nenhum mérito nela, a não ser uma harmônica combinação de genes.

Mas, embora não haja méritos, não há nada de errado em admirar quem foi dotado com uma boa aparência ou com um bom coração. O mundo é um lugar melhor para se viver quando andam sobre sua superfície uma Megan Fox ou um Gandhi.

Só que a beleza não cansa, mesmo quando surge em excesso, como a de Catherine Deneuve em horário nobre. Bondade, sim. Bondade demais cansa.

Digo isso porque tenho uns dois amigos, não mais do que dois, que são tão bonzinhos que despertam em mim o que tenho de pior. Aquela bondade melequenta me irrita. Quero ser mau quando estou com eles e, o mais grave, transformo-me, realmente, em uma pessoa má. Vejo malícia em tudo, enxergo todos pelo lado ruim, sou crítico e amargo, sou agressivo, sou veemente, sou como alguns comentaristas de blog.

Como pode a bondade pura gerar sentimentos ruins?

Aí está. Entendo o motivo. Ainda que Jesus tenha garantido que os mansos herdarão a Terra, a mansidão não é uma qualidade apreciada pela maioria das pessoas. Porque a mansidão parece frouxidão, e as pessoas não gostam de quem é frouxo. As pessoas gostam de quem é bom, sim, mas desde que a bondade seja atuante, decidida e positiva, jamais passiva. A bondade tem de saber ver a maldade onde a maldade existe.

....

David Coimbra
Zero Hora 28/02/2012

quinta-feira, 1 de março de 2012



E se é verdade que o tempo não volta,



também deveria ser verdade



que os amigos não se perdem.”




Caio F. Abreu