sexta-feira, 29 de junho de 2012

Os outros

Quando eu era criança, nunca tive desejo de ter um carro.

Porque morava num lugar em que não passavam carros.
Lá distante, onde era a Avenida Aparício Borges, onde só minha vista alcançava, eu via que passavam os carros, mas não fazia a menor idéia de quem eram seus donos.
Eu só fui ter desejo de ter um carro quando identifiquei os donos dos carros e vi que eles eram diferentes de mim por eu não ter carro.
Foi a minha primeira comparação, o abismo que me levou a achar que os outros eram mais felizes do que eu.
O que quero dizer é o seguinte: se olharmos só para o que somos, temos mais chances de sermos felizes.

O diabo é que não é isso que acontece: vivemos nos espelhando nos outros, a nossa aflição consiste em tentarmos ter o que os outros têm, quando não termos mais do que os outros, sermos melhores ou iguais aos outros.
Em Cuba, por exemplo, onde todos são pobres, todos ganham pouco, ninguém se julga infeliz.
Os cubanos infelizes são aqueles que sabem que a poucos quilômetros da ilha existe Miami, os EUA, onde as condições de vida dos norteamericanos são infinitamente melhores que as dos cubanos.
Isso passa a ser insuportável, pois se instala neles a idéia de que suas vidas são muito piores que as dos seus vizinhos norte-americanos.


Em outras palavras, só pode ser feliz quem não acha os outros mais felizes.
Toda a encrenca humana reside em nos compararmos com nossos vizinhos, isto é, com os outros.
Sempre que acharmos que alguém é mais feliz do que nós, acabaremos sendo infelizes.
É muito difícil para os humanos encarar com naturalidade a felicidade dos outros, até mesmo porque aos nossos olhos invejosos os outros são mais felizes do que realmente o são.
O próprio Sartre disse que “ o inferno são os outros”.
O que quer dizer que nós teríamos muito mais chances de sermos felizes e realizados se olhássemos só para nós.


Por isso é que os livros sagrados dizem que ser rico não é possuir todas as riquezas, no nosso caso muito dinheiro, muitas propriedades, viajar para onde nos apetecer.
Ser rico, dizem os livros sagrados, é contentar-se com o que se tem.
Se há um segredo de felicidade é este: achar que é bastante o que se possui, sem olhar para o que possuem os outros.
Sei que estou dando uma receita quase impossível de seguir, mas também sei que é a única receita capaz de levar uma pessoa a ser feliz.


Pelo amor de Deus, isso não quer dizer que o homem não deva ambicionar, até mesmo porque a razão central do progresso dos homens e das nações é a ambição.
Mas a ambição deve ser uma meta, uma trilha a seguir, e não o despeito por ver que os outros têm mais do que nós.
Ou seja, a felicidade está apenas no que somos e no que desejamos ser, mas sem nos importarmos com o parâmetro alheio.
Assim, justo é que queiramos crescer porque vemos que há espaço para crescermos – e não porque entendemos que os outros estão mais crescidos.


Fôssemos ser infelizes porque possuímos menos do que os outros, teríamos que paralisar, cruzar os braços e nunca mais avançar quando constatássemos que outros possuem muito menos do que nós.


*texto publicado em 14/09/2008

Paulo SantAna
Zero Hora 18/06/2012




terça-feira, 19 de junho de 2012

A noite e a lua


Noite, porque estás assim tão pensativa,


Com teu longo vestido, bordado de estrelas,


Esvoaçando como a mais fina seda,


Deslizando por teu lindo corpo de princesa?




Noite, porque estás assim tão séria?


Os teus cabelos de nuvens, prendeste antes que o dia raiasse?


Porque teus olhos hoje, vermelhos, faíscam,


Como se um temporal a tua volta se formasse?




Noite, porque tanta tristeza?


Se cativas a todos com tua cumplicidade e beleza...


Se os envolves quando te enfeitas de rosas...


E teu perfume, ao longe exalas?




A noite... Responde á lua, tristonha!


-“Por que, não tenho mais tua companhia,


A madrugada roubou minha magia,


E eu, agora me esvaio nesta aragem fria...”


- E sei que amanhã, quando aqui novamente voltar,

Chorarei, porque o que vivi hoje... Não poderei recuperar,

Pois, por quem me apaixonei... Nunca mais irei encontrar...


Lani

domingo, 17 de junho de 2012

Claridade

Se cada dia cai,
Dentro de cada noite,
Há um poço
Onde a claridade está presa.
Há que sentar-se na beira
Do poço da sombra
E pescar a luz caída,
Com paciência.

Pablo Neruda

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Confiteor

Quanto tempo que perdi dormindo.

Quanto tempo que perdi pensando.
Quanto tempo que perdi em dúvida.
Quanto tempo que perdi em pânico.
Quando havia tanta coisa melhor para fazer!


Quanto tempo que perdi disputando com outros.
Quanto tempo que perdi não entregando os pontos.
Tempos largos em que não tive humildade.
Quanto tempo gasto com orgulho,
Ocupando-me mais em gostar de mim próprio.


Quanto tempo gasto sem pensar nos outros
E sem oferecer ajuda aos que por ela clamavam.


Quanto tempo gasto com o medo da desgraça.
E, mesmo ela não vindo, continuava o medo.


Quanto tempo tentando driblar o inevitável.
Quanto tempo perdi em não confiar nos outros.
E mais tempo ainda em confiar nos inconfiáveis.


Juventude triste a minha, desdenhei dos sonhos.
Entreguei minha sorte à própria sorte,
Sem esforço para mudar o meu destino.
Tempo puramente gasto em crer nas promessas,
Quando o certo era prometer a mim mesmo.
Quanto teimei em mergulhar na rotina,
Quando o certo era transformar meu cotidiano.


Quanto tempo acreditei tolamente
Que a felicidade só viria por acaso.

Quanto tempo cruzei os braços na contemplação,
Quando o certo era partir resoluto para a ação.
Quanto tempo gostei mais de mim do que dos outros,
Quando o certo era entregar-me dedicadamente
Ao primeiro que necessitasse.


Tempos perdidos, meu Deus,
Ocupados somente em lamentar-me,
Sem atirar-me depressa às mãos à obra.
Oh, Deus, devolvei-me aqueles tempos desperdiçados
Para que eu possa, se há tempo, consertá-los.

Havia mais tempo para eu chorar os meus fracassos
Do que para tentar vitórias.
Quanto tempo gastei em busca de aplausos fúteis,
Em vez somente do reconhecimento silencioso.
Nenhum tempo gastei para ser jovem.
E gasto tanto tempo em deplorar a velhice.

Assim é que agora aflitamente
Arrependo-me de não ter-me arrependido antes.

PAULO SANT’ANA
Zero Hora 05/06/ 2012