terça-feira, 31 de julho de 2012

Árvore da vida

Enfeite a árvore de sua vida

com guirlandas de gratidão!


Coloque no coração

laços de cetim

rosa, amarelo,

azul, carmim.


Decore seu olhar

com luzes brilhantes

estenda as cores em seu semblante.


Em sua lista de presentes

em cada caixinha

embrulhe um pedacinho de amor,

carinho, ternura,

reconciliação, perdão!


Tem presente de montão

no estoque do nosso coração

E não custa um tostão!


A hora é agora!

Enfeite seu interior!

Seja diferente!

Seja reluzente!


Cora Coralina

domingo, 29 de julho de 2012

Resíduo



De tudo ficou um pouco

Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.


Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).


Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.




Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
― vazio ― de cigarros, ficou um pouco.


Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.




Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.




Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?




Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.


De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...


De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.

Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.


De tudo ficou um pouco.


E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.




Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.


Às vezes um botão. Às vezes um rato.






Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Felicidade


“Felicidade não é um fim em si, e sim uma consequência do jeito que você leva a vida .
É o dia-a-dia de uma pessoa e a maneira alegre como ela reage às situações mais banais que definem seu nível de felicidade.
Ou, para resumir tudo: um jeito garantido de ser feliz é se preocupar menos em ser feliz.”



Bárbara Axt

terça-feira, 17 de julho de 2012

Afogando-se num pires


A vida não é bolinho, quem não sabe? Mas é impressionante a quantidade de pessoas que conseguem complicá-la ainda mais. Acreditam que só erros enormes geram consequências, sem perceber que as pequenas bobeadas é que desgastam. Nem se dão conta da quantidade de facilitações que poderiam aplicar no dia a dia, tornando a vida bem mais producente.

Exemplos, exemplos.
Ligar-se minimamente num troço chamado relógio, pra começar. Se você tem hora marcada para uma consulta, hora marcada para fazer uma prova, hora marcada para pegar um avião, qual é a dificuldade de planejar o tempo que vai levar até lá? Chega de colocar a culpa no trânsito. É claro que você pode prever se vai levar meia-hora ou 50 minutos para deslocar-se – o pior que pode acontecer é chegar antes, e aí nada como ter um livrinho à mão enquanto aguarda (já dizia Gabriel García Márquez: se cada um levasse um livro dentro da mochila, o mundo seria bem melhor).


“As pessoas se afogam num pires”, costuma sentenciar uma psicanalista amiga minha, confirmando que a maior parte das pessoas poderia simplificar suas vidas, mas são especialistas em se atrapalhar, e o pior: transformam essas pequenas atrapalhações em crises existenciais. Ó, nada dá certo pra mim.


Se alguém tem que ir até um endereço que não conhece, é tão fácil consultar o Google Maps antes de sair. No caso de gamar por uma blusa na vitrine, seria prudente saber se o saldo no banco comporta essa compra extra. Se a última garrafa d´água da casa foi aberta, não custa passar num mercadinho e renovar o estoque pra não ser surpreendida por uma sede absurda no meio da noite. Se vai ter um big festão na sexta, não convém chegar ao cabeleireiro sem hora marcada. Se ofendeu um amigo, melhor pedir desculpas antes que se transforme numa mágoa séria. Se o filho tem dificuldades na escola, não esperar o último mês do ano letivo para tomar providências. Planejou uma viagem ao exterior? Confira o prazo de validade do passaporte (não no dia do embarque, gênio). Se o seu santo não cruza com o de um fulano, para que sentar à mesma mesa que ele? Se agendou uma entrevista de emprego, confira antes se a camisa está limpa e passada. Marcou um compromisso para as 16h, não marque outro para as 17h no outro lado da cidade. Se está em guerra com a balança, ok, é difícil perder peso, mas continuar comendo uma caixa de Bis por noite não vai operar milagres. É claro que sua cunhada vai se chatear se você expor na sala as fotos do seu irmão com a ex-mulher dele. Pô.

Você deve ter lembrado de mais uns 200 exemplos da série “se posso complicar, por que facilitar?”. São essas pequenas besteirinhas do cotidiano que, mal administradas, fazem com que nosso dia seja mais encrencado que o dos demais, mas quem vai se dignar a planejar um dia satisfatório se a ordem é deixar rolar?

E lá vai você rolando para dentro do pires, se afogando numa pocinha de nada.

Martha Medeiros
Zero Hora 01/07/2012

domingo, 15 de julho de 2012

Frases

“Numa coisa os livros superam nossos amigos: dão-nos conselhos que os amigos nem sempre têm coragem de dar.”


Pe. Luiz Carlos

sábado, 14 de julho de 2012

As rosas não falam



Bate outra vezCom esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verãoECom a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltarPara mim


Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim




Cartola

quarta-feira, 11 de julho de 2012

AUTO-RETRATO COMO BOI

Eu boi.

Boi de mim mesmo.

Boi sonso.

Boi de canga.

Boi de carro.

Boi de ônibus.

Boi de arado.

Boi sangrado por ferrão.

Boi de carreto

Boi em prédio de vidro.

Boi com crachá

e carteira assinada.

Boi comprovado.

Boi indistinto

na boiada da cidade.

Boi tangido.

Boi bernento.

Boi de joelhos

sem um mugido

na escuridão.

No curral da insônia,

rumino palavras pastadas

na ribanceira dos dias.

Donizete Galvão
















































sexta-feira, 6 de julho de 2012

Frases

Duas vezes se morre:
Primeiro na carne,
depois no nome."

Manuel Bandeira


Moinho




A mó da morte mói

o milho teu dourado

e deixa no farelo

um ai deteriorado.


Mói a mó, mói a morte

em seu moer parado

o que era trigo eterno

e nem sequer semeado.

 
Da morte a mó que mói

não mói todo o legado.

Fica, moendo a mó,

o vento do passado.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 3 de julho de 2012

O câncer que levou seu amor

Meu amigo Antonio ficou viúvo. Sua esposa morreu de câncer de pâncreas. Algo devastador, que derrubou em poucos meses a companhia de temperamento forte, risonho e invencível.

Ele não contou com tempo para se preparar e se despedir. O luto veio como um susto. De repente, depois de 30 anos de casamento, ele se acordava sozinho e tomava café sozinho e conversava sozinho e se desesperava sozinho. Antes, até sofrer, sofria com ela.


Sua primeira atitude, assim que depositou seu coração na pedra do São Miguel e Almas, foi limpar a casa, tirar os objetos de Elisa de perto dos olhos. A casa restou pela metade, uma residência casada com móveis de solteiro. Pôs fora as roupas, os cabides carregados de ombreiras, recolheu os vasos e bibelôs, arregimentou perfumes e produtos de beleza, esvaziou as prateleiras. Não esperou doar para caridade. A dor é puro pânico, egoísta, precisa se libertar da palavra, não consegue ser generosa.


Empilhou caixas e caixas de pertences valiosos na frente do portão, para o lixeiro levar. Em segundos, despachou o que o casal acumulou numa vida inteira. Quando morre a figura de nosso amor, mas o amor não morre, não há o que escolher, tudo é lembrança sangrando de novo, somos crianças mexendo, a cada instante, em cascas de ferida.

Antonio circulava pelos aposentos como um fantasma. Já podia, porém, observar por onde andava. Não tinha que pagar mais pedágio ao tocar em qualquer objeto. A faxina o protegeu dos próprios atos falhos. Ajudava o esquecimento a esquecer.
O espaço dobrou de tamanho e intensidade: vazio, deserto, imenso. Sem nenhuma foto ou quadro na parede. Sem nenhum risco de contato com o passado conjugal.
Mas, ao mexer no armarinho do banheiro e buscar o barbeador, encontrou a escova de cabelos de Elisa no fundo da gaveta.
A escova estava repleta de cabelos da Elisa. Cabelos vivos de Elisa morta.
Ele odiava limpar a escova antes de se pentear, não considerava justo, já que era fruto do descuido dela.
Agora não. Ele começou a suspirar devagar para não chorar. O suspiro é o choro da boca.
Não aceitava que a escova tivesse sobrevivido a sua blitz. Odiou aquele acessório com todo amor e amou com todo ódio.
Nas cerdas da escova, brilhavam cabelos castanhos e longos que ele conhecia como ninguém.
Ele sentou-se no sofá e aproximou o nariz da escova, chegou a raspar a pele, para recuperar o perfume do pescoço de Elisa.
Só que predominava o cheiro de madeira do cabo mais do que o incenso de flor de sua memória.
Como um botânico aflito diante de espécie rara, tratou de tirar um por um os fios da escova.
E fez uma trança dos cabelos de sua mulher morta.
Amarrou a mecha com um laço preto e inspirou longamente sua fragrância. Nebulizou o rosto até reaver o gosto do beijo de Elisa. Nunca o último beijo.




Fabricio Carpinejar
Zero Hora 03/07/2012