quinta-feira, 30 de maio de 2013

Oração para Aviadores


Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.


Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.
Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.
Santa Clara, clareai.
Manuel Bandeira


Perguntas

Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...

O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.

O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.

No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.

O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira. 

Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.

Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.


William Shakespeare

domingo, 26 de maio de 2013

Brrrrrrrrrr





Aos 16 anos, eu não conseguia admitir que alguém pudesse gostar de inverno. Só podia ser maluco, deprimido, estressado ou coisa pior. Escolher logo a estação mais encarangada do ano? Não fazia sentido. Na época, era fanática pelo verão, e meus argumentos pareciam irrefutáveis: ora, no verão ficamos perto do mar, usamos menos roupa, saímos mais de casa. No verão os dias são longos, praticamos mais atividades físicas, comemos mais saladas. Quem trocaria essa vida saudável por dias cinzentos, curtos e gelados?

Quem trocaria braços abertos sobre a Guanabara por braços cruzados e mãos embaixo da axila? Quem preferiria correr o risco de se gripar dia sim, outro também? E quem haveria de considerar agradável sair debaixo das cobertas de manhã cedo para enfrentar um dia que nem virou dia ainda?

Mas isso foi aos 16. Cresci, amadureci e me reconciliei com o inverno. Passei a valorizar os casacões, as botas, o vinho, a lareira, as paisagens serranas, enfim, o lado romântico da estação. Cheguei a admitir em um poema que o inverno era minha estação preferida. Provavelmente, uma tentativa de que me levassem mais a sério. Adultos respeitáveis não combinam com bermuda, e sim com sobretudos.

Não ficam rindo à toa, mantêm a classe da sisudez. Não tomam chope, não dançam em rodas de samba, odeiam Carnaval, nunca foram fotografados em situações vulgares. Escritores, menos ainda. Imagine uma Marguerite Duras de biquíni em Capão, um Philip Roth de sunga tomando banho de mangueira no quintal. O cachecol é que dignifica os intelectuais.

Segui vivendo, amadureci mais um pouco e finalmente cheguei a uma conclusão definitiva: às favas com minha credibilidade, que a adulta em mim procure asilo na Sibéria. Hoje afirmo, assino embaixo e reconheço firma em cartório se for preciso: tenho pavor de sentir frio. A elegância que os dias gélidos me conferem não compensa a leveza e o bom humor que me são subtraídos. E vinho tinto eu tomo em qualquer estação.

Só quem ganha com o inverno é o turismo, já que o frio é nossa principal atração turística. No mais, quem em seu juízo perfeito iria curtir passar o dia com o nariz gelado, as pernas enrijecidas e sentindo-se tentado a matar o banho? Quem não se assusta com o valor da conta de luz no fim do mês? E o que se gasta em farmácia? Mulheres, me ajudem: como se vestir adequadamente para um casamento numa noite em que faz 4°C? E vocês, rapazes, têm tido coragem de tirar as meias antes de dormir?

Cresci, amadureci, mas não adiantou nada: contrariando a evolução da espécie, voltei ao tempo em que era movida a energia solar. Menos mal que sempre teremos intelectuais de cachecol para salvar a pátria.

Martha Medeiros 

 Zero Hora 06 /07/ 2011.

sábado, 18 de maio de 2013

Saudade






A saudade é um parafuso
que quando a rosca cai
só entra se for torcendo
porque batendo não vai.
Mas quando enferruja dentro
nem distorcendo não sai.

Raul Seixas

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Outros ângulos da inveja

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Recebi ontem um e-mail espetacular: o leitor se considera um invejoso nato e diz que seu esporte preferido é visitar condomínios luxuosos em Atlântida e Porto Alegre, quando se delicia ao invejar seus felizes proprietários.
Ele não pode passar um dia sequer sem invejar os outros.É da sua vocação a inveja.

Fico a imaginar que esta invejoso detesta visitar presídios, hospitais e asilos, onde não tem a quem invejar.

Foi então que flagrei uma característica da inveja que me tinha passado despercebia, eu que tanto já escrevi sobre a inveja em minhas colunas.
É que o invejoso  se compraz em admirar os atributos e as propriedades dos outros.
E obrigatoriamente - é da síntese da sua vocação - ele exalta as qualidades dos outros.
E ao exaltá-la, ele está  declarando que as qualidades do outro são muito maiores do que as dele.
Vejam então como dói ao invejoso a inveja: ele se sente assim totalmente inferior ao invejado, aliás, só pode invejar que vê no objeto da sua inveja uma nítida superioridade sobre si mesmo.

E, ao declara-se inferior, quanta dor e quanto infortúnio isso causa ao invejoso. Rói-o por dentro aquela condição superior do invejado, mais lhe causa inveja e rancor  a sua própria feiura e pobreza, a sua fraqueza, a sua falta de talento.
Este invejoso, todas as manhãs, quando levanta da cama, sai para a rua  para assistir ao desolador espetáculo dos que possuem mais do que ele, dos que atraem as mulheres mais do que ele, os que tem carros mais belos e possantes do que o seu carro.

O invejoso não olha para trás, nem enxerga os que  possuem menos do que ele, só lhe interessa os que possuem mais.
Se lançasse seu olhar sobre os que têm menos dinheiro do que ele, sobre os que são mais fracos e mais doentes do que ele, sobre os que têm  menos talento  do que ele, seria feliz.
Nada disso, sua inveja inata atiça, apenas  nele o interesse de admirar  nos outros o que  mostram de mais vantajoso ou brilhante com relação a ele.

E  em seguida se dá nele um fenômeno estupendo: como consequência  natural de sua inveja sobrevém-lhe o ódio.
E então que aparece a face violenta da sua inveja: ele passa  a  agredir permanentemente os seus invejados. Como se seus invejados  fossem culpados de serem  melhores que ele.

E se atira com devoção e aplicação à agressão destemperada e contínua dos invejados.
O invejoso é o mais sofrido e atribulado  entre todos que frequentam as relações humanas.

Paulo Sant'Ana
Zero Hora 06/07/2011

terça-feira, 14 de maio de 2013

Poesia






Poesia, face secreta,

mas tão luz, se concebida.

Poesia, sentido pleno

do que há de vida na vida.



Emílio Moura

sábado, 11 de maio de 2013

Poemas



Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Mario Quintana