sábado, 29 de junho de 2013

Não há vagas


O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira

sábado, 22 de junho de 2013

Tragédia brasileira




Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,
Conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e o dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de
inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Manuel Bandeira

domingo, 16 de junho de 2013

Solidão






Trêmulas jangadas,

sempre sossegadas

sobre as ondas mansas:

por que não partis?

Que áureas esperanças

sopram no mar largo,

chegam como pássaros,

ninguém sabe de onde?



Trêmulas jangadas,

sempre sossegadas

sobre as ondas mansas:

que evocais ao luar?

Velhas esperanças,

chama que se finda,

ou vossa amargura,

mais íntima e pura,

vem da luz que ainda

bóia sobre o mar?



Trêmulas jangadas,

sempre abandonadas:

por que não largais?

Que áureas esperanças

vão para o mar largo,

voam como pássaros,

sobre as ondas mansas

para nunca mais!




Emílio Moura


segunda-feira, 10 de junho de 2013

Amor




Os defeitos são profundos

quando o amor é superficial.


Henry Drummond

domingo, 2 de junho de 2013

Cercanias


Há um prazo certo
um tempo justo
para olhar este mundo
             — de relance.

Num abrir e fechar de olhos,
vão-se as paisagens
cercanias e miragens
             — última chance.



Lenilde Freitas