domingo, 30 de dezembro de 2012

Ano Novo

 Que o Ano Novo traga novos sonhos,
novas realidades

novas oportunidades,
novas realizações

novos amigos,
muito companheirismo

novos conhecimentos,
muitas oportunidades

novas ideias,
novas crenças,
novas chances,
e muitos dias para sermos felizes.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Eu sou assim




"Digo o que penso, com esperança.

Penso no que faço, com fé.

 
Faço o que devo fazer, com amor.

Eu me esforço para ser cada dia melhor,

pois bondade também se aprende!"



Cora Coralina



sábado, 15 de dezembro de 2012

Emergência





Quem faz um poema abre uma janela.

Respira, tu que estás numa cela abafada, esse ar que entra por ela.

...Por isso é que os poemas têm ritmo - para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.

Mario Quintana



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Preenchimentos




Como toda mulher, também gasto alguns minutos em frente ao espelho com as mãos espalmadas no rosto tentando imaginar como seria se eu puxasse um pouquinho aqui, um pouquinho ali, mas nunca fui além da simulação – ainda não tive coragem de enfrentar o bisturi. Amigas aconselham: não precisa partir para algo radical, faça apenas um preenchimento, ora. Toda mulher moderna e inteligente faz, mas não gosto nadinha da ideia de injetarem no meu rosto coisas assustadoras como polimetilmetacrilato ou ácido hialurônico. Outro dia, uma moça me explicou como o dermatologista, depois da aplicação, ficou moldando a substância com os dedos até que se assentasse no lugar certo. Quase passei mal. Não deviam contar esses detalhes para mulheres impressionáveis. E, como se não bastasse eu ser de outro século, ainda deparei com as fotos da mãe do Stallone. Aí, ferrou.


Preenchimento estava na minha lista de resoluções para 2012. Também esteve na de 2009, 2010 e 2011. Acaba de ser adiada, mais uma vez, para 2013 ou 2014, dependendo da minha capacidade de evoluir. Enquanto esse dia não chega, vou continuar me preenchendo com material obsoleto como livros, filmes, exposições, teatro. Não irão me deixar mais jovem nem mais bonita, mas ao menos o cérebro não ficará flácido. Como bem lembrou, recentemente, a linda atriz Aline Moraes, “a beleza pode desmoronar quando se abre a boca”.



Mudando de assunto, mas nem tanto, também me abismei com os erros de português que foram detectados nas legendas da propaganda eleitoral na TV, em que se viram preciosidades como “ensentivo”, “disperdiço”, “trofel”, “concurço” e “pulitica”, palavras que não possuem nem de longe o grau de dificuldade de um polimetilmetacrilato. Cheguei a iniciar uma crônica, mês passado, sobre esse assunto: escrever errado todos escrevem, eu erro, tu erras, ele erra. Não depõe contra o caráter de ninguém, mas não se pode relaxar. É preciso continuar estudando, ler mais, consultar dicionários. Não cheguei a publicar a crônica porque ela foi inspirada nos bilhetes deixados pelo bioquímico que assassinou a mulher e o filho na zona sul de Porto Alegre. Diante de uma tragédia daquela magnitude, não cairia bem falar dos assassinatos gramaticais que ele também praticou. Eram tragédias incomparáveis. Mas a mim doeu tudo.


(Sei lá como se escreve.) Quem de nós, durante um bilhete, um e-mail, um tuíte, não colocou essa frase entre parênteses diante da dúvida sobre como escrever uma palavra difícil ou uma expressão estrangeira? Então, para não encerrar essa crônica com tragédia, e sim com tragicomédia, dê uma espiada no site http://seilacomoseescreve.tumblr.com/page/2 e divirta-se. Rir também rejuvenesce – e não dói.

Martha Medeiros
Zero Hora 29/08/2012

domingo, 9 de dezembro de 2012

Tempo de travessia

 



 "Há um tempo em que é preciso    

abandonar as roupas usadas 

Que já têm a forma do nosso corpo 

E esquecer os nossos caminhos quenos

levam sempre aos mesmos lugares    

É o tempo da travessia   

E se não ousarmos fazê-la  

Teremos ficado para sempre   

À margem de nós mesmos."      

Fernando Pessoa

sábado, 8 de dezembro de 2012

Coisas da terra


 

Todas as coisas de que falo estão na cidade

Entre o céu e a terra.



São todas elas coisas perecíveis

E eternas como o teu riso

A palavra solidária

Minha mão aberta

Ou este esquecido cheiro de cabelo

Que volta

E acende sua flama inesperada

No coração de maio.



Todas as coisas de que falo são de carne

Como o verão e o salário.



Mortalmente inseridas no tempo,

Estão dispersas como o ar

No mercado , nas oficinas,

Nas ruas , nos hotéis de viagem .



São coisas, todas elas,

Cotidianas , como bocas

E mãos, sonhos , greves,

Denúncias,

Acidentes de trabalho e do amor.

 Coisas

De que falam os jornais

Às vezes tão rudes

Às vezes tão tão escuras

Que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.



Mas é nelas que te vejo pulsando ,

Mundo novo,

Ainda em estado de soluços e esperança.

(Ferreira Gullar)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Caçador de mim







Por tanto amor, por tanta emoção

A vida me fez assim

Doce ou atroz, manso ou feroz

Eu , caçador de mim

Preso a canções

Entregue a paixões

Que nunca tiveram fim

Vou me encontrar

Longe do meu lugar

Eu, caçador de mim

Nada a temer

Senão o correr da luta

Nada a fazer

Senão esquecer o medo

Abrir o peito à força

Nunca procura

Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai sonhando demais

Mais onde se chega assim

Vou descobrir o que me faz sentir

Eu, caçador de mim.

( Sérgio Magrão e Luís Carlos Sá)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Pedidos dos animais

"Se servimos para aplacar sua solidão

Se servimos para que te sintas importante quando voltas para casa

Se servimos para lamber tuas lágrimas quando estás triste

Se servimos para que não caminhes sozinho nos finais de tarde

Se servimos para te proteger da violência dos teus semelhantes

Se servimos para proteger teus filhos quando não estás por perto

Se servimos para que teu coração não seja o único a bater dentro de tua casa

Se servimos para que te divirtas brincando conosco

Se servimos para alegrar teu silêncio com nossa voz

Se servimos para que tua mão afague um pêlo macio

Se servimos para carregar alimentos e outras cargas em nossas costas

Se servimos para que teus olhos se encham com a beleza de nossas plumagens

Se servimos para chorar tua morte quando ninguém mais lamenta tua partida

Então não nos maltrate

Não desconte tuas tristezas e frustrações em nossos corpos frágeis

Não nos abandone à própria sorte

Não se afaste tanto a ponto de não conseguirmos te encontrar

Respeite nossos sentimentos, pois todos nós chamados "irracionais" temos sentimentos

Basta olhares bem dentro de nossos olhos para veres o quanto é verdade que temos alma

Cuide de mim e de meus filhos como cuido dos teus

Seja nosso amigo e te seremos eternamente gratos

E no dia em que partirmos, chore de saudades e não por arrependimento por ter nos maltratado

Somos um cão, um gato, um cavalo, uma ave...

Somos todos os animais do mundo e aqui estamos e vivemos pelas mãos de Deus"

Autor desconhecido



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Senhora minha mãe


Ouvi meu amigo Manoel Soares conversando com sua mãe.

— Sim, Senhora
— Não, Senhora
Aquilo me arrepiou. Não me emociono quando um filho chama sua mãe de mãezinha, mainha, mamãe.
Eu me comovo quando um filho chama sua mãe de Senhora.

Não importa que ele esteja apressado, paciente, psicótico, nervoso, aflito, carente: chamará de Senhora em qualquer hora.

Dirigir a palavra para mãe como Senhora pode sugerir distanciamento, formalidade, solenidade. Pode indicar uma relação de frieza e ausência de diálogo. Por que não o nome? Um apelido? Ou simplesmente mãe?

Não vejo assim. É mais do que respeito: é reverência. É mais do que intimidade: é cuidado.

Senhora é um “com licença” e “eu te amo” misturados. É segurar o braço para atravessar a rua e as palavras.

Senhora é uma demonstração de afeto, uma homenagem às lições do passado, prova que fomos bem educados.
Quem usa nunca levantará a voz para a mãe. Nunca vai desrespeitar os mais velhos.
Só filhos muito chegados e próximos chamam a mãe de Senhora.
Preservam a influência maternal dentro de casa. Obedecem à sua opinião. Confiam nos seus conselhos.

Mãe que é senhora nunca termina abandonada num asilo.

Mãe que é senhora pede para falar e a família escuta com silêncio.

Senhora é dizer para a mãe que ela é muito importante. Que ela é insubstituível. Que ela nunca será dispensada.

Obrigado, senhora minha mãe.

Fabricio Carpinejar
Daqui

domingo, 25 de novembro de 2012

Em Marte




A Nasa está escondendo, mas a tal sonda-robô mandada a Marte já encontrou sinais de vida no planeta vermelho. Mais do que sinais de vida, encontrou um ser vivo. Mais do que um ser vivo, encontrou vários seres vivos, que, no momento, cercam o artefato que pousou entre eles de surpresa e tentam comunicar-se com ele. A Nasa tem censurado as fotos mandadas pelo robô em que aparecem os marcianos à sua volta e está tentando interpretar o que eles dizem, numa língua que parece o ídiche com mais consoantes.

Até agora os técnicos da Nasa conseguiram decifrar apenas alguns trechos do que os marcianos estão dizendo para o robô e comentando entre si. Já identificaram frases inteiras, como: “Alô, como é seu nome?”, “De onde você veio?” e “Quem vai pagar este estrago no meu quintal?”.

Os marcianos parecem amistosos, mas ficam cada vez mais impacientes com o laconismo do robô, que não responde nem a perguntas simples como “Você quer água?” ou “Tem fome?” ou “Precisa ir ao banheiro?”.


Os marcianos estão perto de concluir que o estranho em seu meio vem de um planeta em que ainda não desenvolveram a fala, o que dirá a boa educação. Comentam a aparência física do estranho.

– Rodas em vez de pernas. Interessante.

– Odiei a roupa.

– Como será que eles se reproduzem?

– Só você para pensar nisso...

– Curiosidade científica!

– Devem usar esta haste com uma bola na ponta.

– Não, isso é o olho.

– Vocês já notaram que até agora ele não piscou?

– Deve estar aterrorizado. Não sabe onde veio cair.

– Vamos fazer uma demonstração de paz, para ele sentir que está entre amigos. Atenção: abraço coletivo. Todo mundo. Iei!

– Cócegas não, que ele pode ficar irritado.

– Vocês viram só? Nenhuma reação.

– Ele parece uma máquina!


O consenso entre os marcianos é que o ser que caiu do céu vem daquele planeta azul que eles chamam de Schlops, que – isto é pura especulação dos tradutores da Nasa – também é a palavra deles para “titica”. Os marcianos nunca tiveram muito interesse em conhecer melhor o planeta azul e agora, depois da experiência ruim com aquele seu antipático representante, têm menos interesse ainda. Não querem nem imaginar como são seus semelhantes.

Decidem levar o visitante para um hospital, para ele se recuperar do choque, se alimentar e, se possível, começar a se comportar com um pouco mais de civilidade. Só quem protesta é o dono do terreno onde o estranho pousou.

– Quero ver quem vai pagar os estragos no meu quintal!

Luis Fernando Verissimo

Zero Hora 26/08/2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A bomba atômica






A atômica é triste

Coisa mais triste não há

Quando cai, cai sem vontade

Vem caindo devagar

Que dá tempo a um passarinho

De pousar nela e voar...

Coitada da bomba atômica

Que não gosta de matar



Coitada da bomba atômica

Que não gosta de matar

Mas que ao matar mata tudo

Animal e vegetal

Que mata a vida da terra

E mata a vida do ar

Mas que também mata a guerra...

Bomba atômica que aterra!

Pomba atônita da paz!   Pomba tonta, bomba atômica

Tristeza, consolação

Flor puríssima do urânio

Desabrochada no chão

Da cor pálida do hélium

E odor de rádium fatal

Loelia mineral carnívora

Radiosa rosa radical.



Nunca mais, oh bomba atômica

Nunca, em tempo algum ,jamais

Seja preciso que mates

Onde houve morte de mais:

Fique apenas tua imagem

Aterradora miragem

Sobre as grandes catedrais:

Guarda de uma nova era

Arcanjo insigne da paz!

( Vinícius de Moraes )

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O tempo




Com o tempo, você vai percebendo que

para ser feliz com uma outra pessoa,

você precisa, em primeiro lugar,

não precisar dela.

Percebe também

que aquela pessoa que você ama

(ou acha que ama) e que não quer

nada com você, definitivamente, não é o

homem ou a mulher da sua vida.

Você aprende a gostar de você,

 a cuidar de você e, principalmente,

a gostar de quem também gosta de você.

O segredo é não correr atrás das borboletas .....

É cuidar do jardim

para que elas venham até você.

No final das contas,

você vai achar não quem você estava procurando,

mas quem estava procurando por você!

Mário Quintana

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Sem medo de amadurecer



Estará chegando em breve às livrarias a nova obra do filósofo argentino Sergio Sinay, cujo título é A Sociedade que Não Quer Crescer. Tema bastante atual e que merece atenção. Não há alarmismo em afirmar que viramos uma sociedade de adolescentes vitalícios, todos preocupados em manter a juventude até os 80 anos.


Uma coisa é praticar esportes e exercícios físicos, proteger a pele, se alimentar bem, manter cuidados para garantir a saúde, investir em lazer. Outra bem diferente é se comportar de forma irresponsável, não assumir autoridade, não dar um rumo à própria vida, viver encostado nos parentes. Há quem considere mais cômodo ser criança para sempre.

De fato, é. Temos por aí uma quantidade absurda de crianções e criançonas de 40 anos, de 50 anos, até mais. O que esperar de seus descendentes?

Não é fácil lidar com desejos, fazer escolhas, sustentar decisões. Nos momentos de aperto, gostaríamos de não precisar enfrentar coisa alguma e chamar um “adulto” para resolver as questões sérias em nosso lugar. Porém, não temos mais cinco anos. Nem 15. Não há mais justificativa para desrespeitar as leis, dirigir de forma inconsequente, se embebedar, fugir aos compromissos. Essa rebeldia juvenil até possui um certo romantismo, é a porção James Dean de cada um. Só que o ator não viveu o suficiente para virar um homem, mas você, sim.

Amadurecer é respeitar os ciclos da vida e deixar a adolescência para trás a fim de assumir seu lugar no mundo. O que não significa virar um adulto chato e prepotente. É permitido divertir-se na maturidade. Muito, inclusive. Adultos curtem a vida mais do que a garotada justamente porque não estão mais testando limites, já viraram essa página. O que fragiliza a sociedade são pessoas que, uma vez crescidas em estatura, não cresceram emocionalmente.

Um adulto de verdade é aquele que não age em busca de uma recompensa – ele faz o que tem que fazer porque é o certo. Pra chegar a esse encontro saudável com o dever moral, é preciso que ele tenha consciência de quem é, de tudo o que viveu, de como suas experiências o moldaram, e adote uma atitude firme diante de seus filhos, de seus pares, da sociedade toda. Se considerar que isso significa “envelhecer”, que pena: seguirá sendo um garoto mimado, uma garota bobinha, sem brio para herdar o bastão de seus pais e sem consistência para passar o bastão adiante.

Pessoas maduras também têm incertezas, vacilam, fraquejam. Porém sabem a hora de cortar o laço com suas carências infantis e de interagir com o mundo a fim de torná-lo melhor, mais digno. São agentes de transformação, e não de estagnação. Quando se tornarem idosos, poderão olhar pra trás com a consciência de ter dado um sentido à sua vida, em vez de terem percorrido anos e anos inúteis, acreditando que poderiam ser jovens para sempre só pelo fato de andarem com a aba do boné virada pra trás.


Martha Medeiros

Zero Hora  28/10/2012

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Valsa para uma menininha



Menininha do meu coração

Eu só quero você
A três palmos do chão
Menininha, não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção
Senhorinha levada
Batendo palminha
Fingindo assustada
Do bicho-papão
Menininha, que graça é você
Uma coisinha assim
Começando a viver
Fique assim, meu amor
Sem crescer
Porque o mundo é ruim, é ruim
E você vai sofrer de repente
Uma desilusão
Porque a vida é somente
Teu bicho-papão
Fique assim, fique assim
Sempre assim
E se lembre de mim
Pelas coisas que eu dei
E também não se esqueça de mim
Quando você souber enfim
De tudo o que eu amei.

Vinicius de Moraes







terça-feira, 30 de outubro de 2012

O princípio da incerteza

O professor tinha uma tática para lidar com a Sandrinha e não explodir

O professor virou-se e viu que a Sandrinha não estava escrevendo. Todos na aula copiavam o que o professor tinha escrito no quadro-negro, menos a Sandrinha. A Sandrinha estava dobrando e alisando um pedaço de papel.

– Dona Sandra, o que a senhora está fazendo? – perguntou o professor.

– Um aviãozinho, professor.

– Dona Sandra, eu pedi para copiarem o que eu estou escrevendo no quadro-negro sobre a teoria da incerteza de Heisenberg.

– Eu sei, professor. Mas eu estou preparando uma experiência prática sobre o mesmo assunto.

– Nossa aula hoje é sobre física quântica, dona Sandra.

– A minha experiência também.

O professor tinha desenvolvido uma tática para lidar com a Sandrinha. Para não explodir, contava até três. Desta vez contou até seis. Depois perguntou:

– E que a sua experiência tem a ver com o princípio da incerteza de Heisenberg, dona Sandra?

– Quando o aviãozinho ficar pronto, vou atirar para o alto, sem saber onde ele vai cair. Se bater em alguém, ou cair próximo de alguém, é a pessoa que eu vou namorar neste trimestre.

Por um momento, o único ruído ouvido na sala foi o do riso abafado. Desta vez, pensaram todos, a Sandrinha conseguiria. O professor perderia o controle. Atiraria a Sandrinha pela janela. Ou ele se atiraria pela janela. De qualquer maneira, haveria uma explosão. Mas o professor manteve o controle, depois de contar até dez.

– E se cair perto de uma pessoa do sexo feminino, dona Sandra?

– Não tenho preconceito, professor.

– Só não entendi o que seu aviãozinho tem a ver com a teoria de Heisenberg.

– A incerteza. Ninguém sabe onde ele vai cair.

– Não, dona Sandra. É muito mais complexo do que isso. É...

– A teoria não diz que a ação humana interfere na observação das partículas subatômicas? Que por isso a medição dos seus movimentos é sempre incerta?

Pois eu posso direcionar meu aviãozinho para um lado que me interessa. Ele vai dar voltas no ar, mas sua trajetória não será inteiramente aleatória. Minha vontade vai influir no seu destino. Pronto. Uma aula prática, professor.

O professor fechou os olhos. Um, dois, três, quatro...

– Faça o que quiser, dona Sandra. Vou continuar dando a minha aula. Voltou para o quadro-negro e continuou a escrever. Dali a pouco, ouviu uma agitação às suas costas. O aviãozinho da Sandrinha tinha decolado. Virou-se a tempo de receber o aviãozinho no peito. E ouvir a voz da Sandrinha:

– O senhor é casado, professor?



Luis Fernando Verissimo

Zero Hora  28/10/2012

terça-feira, 23 de outubro de 2012

São Francisco

Lá vai São Francisco

Pelo caminho

De pé descalço

Tão pobrezinho

Dormindo à noite

Junto ao moinho

Bebendo a água

Do ribeirinho



Lá vai São Francisco

De pé no chão

Levando nada

No seu surrão

Dizendo ao vento

Bom dia, amigo

Dizendo ao fogo

Saúde, irmão



Lá vai São Francisco

Pelo caminho

Levando ao colo

Jesus Cristinho

Fazendo festa

No menininho

Contando histórias

Pros passarinhos.

Vinicius de Moraes



quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A arte de enganar




O uso da emoção é um dos instrumentos mais comuns nas campanhas eleitorais.

Quanto menos informada é a população de eleitores, mais a emoção é eficaz para conseguir votos. Embora isso seja pouco ou nada mais divulgado, no Brasil a tentativa de envolver as emoções no turbilhão eleitoral é, provavelmente, a ferramenta mais importante de uma campanha.

Cerca de 70% dos eleitores brasileiros não têm o primeiro grau completo. Na visão dos políticos, dos publicitários e especialistas que dirigem campanhas eleitorais, é bem mais prático influenciar essas pessoas usando sua emoção do que a razão. Mostrar as dificuldades reais do país através de estudos técnicos, apresentar gráficos, discutir opções teóricas de caminhos a serem seguidos e propor planos de governo reais, tudo isso é considerado totalmente sem efeito, inútil, por aqueles que dirigem campanhas eleitorais.

Qual foi, então, a solução encontrada para essas campanhas? O uso da emoção, dos sentimentos humanos. Para isso nada mais apropriado que o uso da televisão. Um discurso flamejante, teatral, humano, fraternal, igual, salvador, uma música envolvente com letra heróica e uma seqüência estudada de imagens cinematográficas que mexem com a alma; essa é a fórmula básica da conquista de votos no Brasil. Nesta campanha o uso da televisão foi limitado. Não poderão ser usadas as caríssimas produções que buscavam mexer com a alma humana. Basicamente, os candidatos vão ter que se dirigir pessoalmente aos eleitores, sem imagens produzidas. Vai ser mais difícil, mas certamente vão ser usadas ao máximo as técnicas que buscam tirar proveito da emoção.

Mas não é só emoção. No Brasil ela funciona junto com alguma coisa que pode parecer racional ao eleitor. Na maioria das campanhas para presidente, governador e prefeito, são feitas pesquisas entre os eleitores, verificando quais são seus principais anseios e desejos. Por exemplo: um candidato a governador verifica que seus possíveis eleitores têm como prioridade a habitação. A partir dessa constatação toda a parte aparentemente racional da campanha será dirigida basicamente para esse tema. Se na pesquisa os eleitores demonstram que querem eleger um candidato que combata a corrupção, dá-lhe discurso contra a corrupção. A técnica é trabalhar com as emoções e com os anseios. A verdade pouco importa.

Como os orçamentos públicos são sempre menores do que o eleitor quer, os candidatos são aconselhados a prometer, sem tocar na questão dos recursos. Não há pudor: se promete tudo. E num pacote de emoção e promessas, evidentemente acompanhadas de críticas à atual situação, se arrancam os votos. Com a certeza de que, depois, ninguém vai cobrar as promessas. Há até quem diga que promessa eleitoral não deve ser cobrada porque não é para valer.

É claro que nisso tudo há exceções. Mas são poucas.

Se todos nós voltássemos com mais razões e menos emoção, procurando ver o que representam e quem são realmente os candidatos, o que eles fizeram e falaram no passado, certamente teríamos um Brasil melhor. Mas esta é uma outra história que fica para uma outra vez.



Boris Casoy