sexta-feira, 30 de abril de 2010

A ideia da morte


Intriga-me a morte. Será possível que isto tudo acabe?

É possível não, é certo que isto tudo acabará para nós.

Dizem que o único ser vivo que tem certeza da morte é o homem, daí que ele mergulhe no tédio e seja tão inquieto.

Um dia haverá em que a morte nos chamará.

Para que alguém morra, basta que nasça, a vida já começa com o anúncio da morte.

Então, o homem passa fingindo que está vivendo. Em realidade, ele está sendo alvo da única ameaça que se cumpre inexoravelmente: a morte.

Ela é certa, tão certa como o sol nascerá amanhã, depois virá a noite, no dia seguinte será de novo sucedida novamente por outro sol.

O homem teme e evita a morte incansavelmente.

Será que o homem teme a morte somente porque ela significa o fim?

Ou o homem teme a morte porque não sabe o que acontecerá consigo logo depois da morte?

Está bem, o homem está vivendo, não cogita da morte, apenas cisma com ela à distância.

Mas é muito difícil entender que um dia fatalmente a morte virá.

E tudo o que se fez, tudo o que se realizou, filhos, mulher, netos, carreira, tudo também morrerá. Porque em realidade, quando uma pessoa morre, tudo em seu redor morreu para ela. É o fim de tudo e de todos. Que encrenca! A maior de todas as encrencas.


Existe um fascínio pela morte: é que ninguém sabe quando morrerá. Se houvesse um prazo delimitado, marcado, para morrer, imagino em que terror se transformaria a vida.

O homem sabe que vai morrer, ele só não sabe é quando vai morrer. Por isso, muitas vezes, ele disfarça, faz de conta que nunca vai morrer, tenta driblar a morte com a indiferença.

Mas como ficar indiferente a um ato que vai terminar com tudo?

Como vai se ignorar que algum dia todos os tijolos que cimentamos na vida ruirão por terra pela morte?

Ali, por exemplo, está um velho, ao meu lado, na minha frente. Descubro só agora por que ele não sorri, por que vive engolfado pela tristeza. Tem bom salário, tem boa família, leva uma vida prazerosa.

E, no entanto, não sorri. Está na cara que não sorri porque sabe que vai morrer, que está diminuindo o prazo para sua morte, todos os dias diminui o prazo.

Em realidade, o homem está condenado à morte. Existe para ele, em última análise, uma pena de morte.

E vai ser executado. Um inocente morrerá. Pelo único pecado de ter nascido.


A morte é certa. Não poderá detê-la nenhuma resistência.

O certo seria que o homem se resignasse com a morte e se preparasse para recebê-la. Mas haverá algum homem tão sábio e distinguido que receba a morte como um bálsamo ou uma libertação?

Acho que não há ou quase não há.

Em princípio, o homem odeia a morte.

Mesmo quando já não sabe mais o que fazer com a vida .

Paulo Sant'Ana


Zero Hora 30/05/2010


terça-feira, 27 de abril de 2010

E tudo mudou


O rouge virou blush
O pó-de-arroz virou pó-compacto
O brilho virou gloss

O rímel virou máscara incolor
A Lycra virou stretch
Anabela virou plataforma
O corpete virou porta-seios
Que virou sutiã
Que virou lib
Que virou silicone

A peruca virou aplique, interlace, megahair, alongamento
A escova virou chapinha
"Problemas de moça" viraram TPM
Confete virou MM

A crise de nervos virou estresse
A chita virou viscose.
A purpurina virou gliter
A brilhantina virou mousse

Os halteres viraram bomba
A ergométrica virou spinning
A tanga virou fio dental
E o fio dental virou anti-séptico bucal

Ninguém mais vê...

Ping-Pong virou Babaloo
O a-la-carte virou self-service

A tristeza, depressão
O espaguete virou Miojo pronto
A paquera virou pegação
A gafieira virou dança de salão

O que era praça virou shopping
A areia virou ringue
A caneta virou teclado
O long play virou CD

A fita de vídeo é DVD
O CD já é MP3
É um filho onde éramos seis
O álbum de fotos agora é mostrado por email

O namoro agora é virtual
A cantada virou torpedo
E do "não" não se tem medo
O break virou street

O samba, pagode
O carnaval de rua virou Sapucaí
O folclore brasileiro, halloween
O piano agora é teclado, também

O forró de sanfona ficou eletrônico
Fortificante não é mais Biotônico
Bicicleta virou Bis
Polícia e ladrão virou counter strike

Folhetins são novelas de TV
Fauna e flora a desaparecer
Lobato virou Paulo Coelho
Caetano virou um chato

Chico sumiu da FM e TV
Baby se converteu
RPM desapareceu
Elis ressuscitou em Maria Rita?
Gal virou fênix
Raul e Renato,
Cássia e Cazuza,
Lennon e Elvis,
Todos anjos
Agora só tocam lira...

A AIDS virou gripe
A bala antes encontrada agora é perdida
A violência está coisa maldita!

A maconha é calmante
O professor é agora o facilitador
As lições já não importam mais
A guerra superou a paz
E a sociedade ficou incapaz...

... De tudo.

Inclusive de notar essas diferenças

Luis Fernando Veríssimo

segunda-feira, 26 de abril de 2010

De cara lavada


Hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos

o quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos

a tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos

a cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos

aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos

coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos

Martha Medeiros

Quem luta com monstros

deve velar por que, ao fazê-lo,

não se transforme também em monstro.

E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo,

o abismo também olha

para dentro de ti.


Friedrich Nietzsche

Creio


Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Morrer em vida



Nunca esqueci de uma senhora que, ao responder por quanto tempo pretendia trabalhar, respondeu com toda a convicção: “Até os 100 anos”. O repórter, provocador, insistiu: “E depois?”. “Ué, depois vou aproveitar a vida”.

É de se comemorar que as pessoas aparentem ter menos idade do que realmente têm e que mantenham a vitalidade e o bom humor intactos – os dois grandes elixires da juventude. No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais tarde, aleluia), envelheceremos todos. Não escondo que isso me amedronta um pouco. Ainda não cheguei perto da terceira idade, mas chegarei, e às vezes me angustio por antecipação com a dor inevitável de um dia ter que contrapor meu eu de dentro com meu eu de fora.

Rugas, tudo bem. Velhice não é isso, conheço gente enrugada que está saindo da faculdade. A velhice tem armadilhas bem mais elaboradas do que vincos em torno dos olhos. Ela pressupõe uma desaceleração gradativa: descer escadas de forma mais cautelosa, ser traída pela memória com mais regularidade, ter o corpo mais flácido, menos frescor nos gestos, os órgãos internos não respondendo com tanta presteza, o fôlego faltando por causa de uma ladeira à toa, ainda que isso nem sempre se cumpra: há muitos homens e mulheres que além de um ótimo aspecto, mantêm uma saúde de pugilista. A comparação com os pugilistas não é de todo absurda: é de briga mesmo que estamos falando. A briga contra o olhar do outro.

Muitos se queixam da pior das invisibilidades: “Não me olham mais com desejo”. Ouvi uma mulher belíssima dizer isso num programa de tevê, e eu pensei: não pode ser por causa da embalagem, que é tão charmosa. Deve estar lhe faltando ousadia, agilidade de pensamento, a mesma gana de viver que tinha aos 30 ou 40. Ela deve estar se boicotando de alguma forma, porque só cuidar da embalagem não adianta, o produto interno é que precisa seguir na validade.
uma linda e jovem aluna (Penélope Cruz) e passa a ter com ela um envolvimento que lhe serve como tubo de oxigênio e ao mesmo tempo o faz confrontar-se com a própria finitude. No livro que deu origem ao filme (O Animal Agonizante, de Philip Roth), há uma frase que resume essa comovente ansiedade de vida: “Nada se aquieta, por mais que a gente envelheça”.

Essa é a ardileza da passagem do tempo: ela não te sossega por dentro da mesma forma que te desgasta por fora. O corpo decai com mais ligeireza que o espírito, que, ao contrário, costuma rejuvenescer quando a maturidade se estabelece.

Como compensar as perdas inevitáveis que a idade traz? Usando a cabeça: em vez de lutarmos para não envelhecer, devemos lutar para não emburrecer. Seguir trabalhando, viajando, lendo, se relacionando, se interessando e se renovando. Porque se emburrecermos, aí sim, não restará mais nada.
Martha Medeiros

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Aurora


A aurora de New York tem
quatro colunas de lodo
e um furacão de pombas
que explode as águas podres .


A aurora de Nova York geme
nas vastas escadarias
a buscar entre as arestas
angústias indefinidas .


A aurora chega e ninguém
em sua boca a recebe
porque ali a esperança
nem a manhã são possíveis .


E as moedas como enxames
devoram recém-nascidos
os que primeiro se erguem
em seus ossos advinham:
não haverá paraíso
nem amores desfolhados .


Só números, leis e o lodo
de tanto esforço baldado .


A barulheira das ruas
sepulta a luz na cidade .


E as pessoas pelos bairros
vão cambaleando insones
como se houvessem saído
de um naufrágio de sangue.


García Lorca

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Tiradentes

Imagem: http://oglobo.globo.com/blogs/bloguinho/posts/2008/04/21/dia-de-tiradentes-98653.asp

A boca é um órgão do corpo humano? Ou o correto seria chamá-la de cavidade, orifício? A mim importa apenas sua extrema sensibilidade, que justifica, em parte, tanta gente ter medo de ir ao dentista. Em geral, as pessoas não temem esticar o braço para tirar sangue, nem se queixam da picada para tomar vacina, e não se alteram ao ir ao médico para serem examinados, mas abrir a boca para o dentista é diferente. Seja pela agonia causada pelo barulho do equipamento, seja pela intimidade bucal devassada, seja pela incapacidade de acompanhar visualmente o que está sendo escarafunchado lá dentro, a ida ao dentista está longe de ser um passeio. Hoje é dia de Tiradentes, considerado mártir da Inconfidência Mineira. Salve! Mas mártir, mesmo, é quem tem cárie.

Pra mim, a boca está diretamente ligada à felicidade. É através dela que nos alimentamos, e sem alimento não há vida de nenhuma espécie, nem feliz, nem infeliz. Pela boca, falamos o que sentimos, nos fazemos entender, pedimos ajuda, ensinamos, educamos: a boca rege os relacionamentos.
Lábios são sensuais e despertam o desejo, força motriz da existência. E é com eles, os lábios, que sorrimos. Quem não sorri vive no breu, tranca suas portas para o mundo, impede a comunicação, não convida, ao contrário, expulsa o afeto.
Pela boca respiramos, também. Não é o meio mais saudável, mas admito, respiro muito pela boca. E ela nos salva de afogamentos e outros infortúnios: não se faz respiração nariz a nariz, como se sabe.
E vale ressaltar aqui o prazer supremo do melhor boca-a-boca que existe. Uma das definições mais linda de beijo, by Cazuza: matar a sede na saliva.


Mas hoje minha boca está aberta não para o prazer, e sim para o espanto. Li em Zero Hora que agentes penitenciários recebem propina para soltar presos durante o dia, facilitando não só o crime nas ruas, mas também facilitando a impunidade, pois não há como prender quem já está, oficialmente, preso. O que fazer com tanta gente corrupta? Esquartejamos como fizeram com Tiradentes? Vontade dá. Mas só nos resta botar a boca no trombone a fim de que as autoridades do Estado nos livrem de tamanha vergonha. É isso. Liberdade, ainda que tardia.


Poética



De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.


Vinícius de Moraes

terça-feira, 20 de abril de 2010

Humildade


Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.


Cora Coralina

Realidade


Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros.

Mario Quintana

Lua Adversa

Imagem: www.olavosaldanha.com.br


Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vem,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


Cecilia Meireles

terça-feira, 13 de abril de 2010

Estrela

Imagem: internet

Escutai! Se as estrelas se acendem
será por que alguém precisa delas?

Por que alguém as quer lá em cima?
Será que alguém por elas clama,
por essas cuspidelas de pérolas?
Ei-lo aqui, pois, sufocado, ao meio-dia,
no coração dos turbilhões de poeira;
ei-lo, pois, que corre para o bom Deus,
temendo chegar atrasado,
e que lhe beija chorando
a mão fibrosa.

Implora! Precisa absolutamente
duma estrela lá no alto!
Jura! Que não poderia mais suportar
essa tortura de um céu sem estrelas!

Depois vai-se embora,
atormentado, mas bancando o gaiato
e diz a alguém que passa:
"Muito bem! Assim está melhor agora, não é?
Não tens mais medo, hein?"

Escutai, pois! Se as estrelas se acendem
é porque alguém precisa delas.
É porque, em verdade, é indispensável
que sobre todos os tetos, cada noite,
uma única estrela, pelo menos, se alumie.

Vladimir Maiakovsky

Poema esquisito


Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.
Não é hábito. É rarissimamente que ela dói.
Ninguém tem culpa. Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos,
não existe mais o modo
de eles terem seus olhos sobre mim.
Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?
É dentro de mim que eles estão.
Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.
Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa,
que abunda nos cemitérios.
Quem plantou foi o vento, a água da chuva.
Quem vai matar é o sol.
Passou finados não fui lá, aniversário também não.
Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?
É de tanto lembrá-los que eu não vou.
Ôôôô pai
Ôôôô mãe
Dentro de mim eles respondem
tenazes e duros
porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia.

Adelia Prado

Desenho


Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,
e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.
E as lágrimas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras,
e as teias de aranha nas minhas árvores se entrelaçavam

Isso era um lugar de sol e nuvens brancas,
onde as rolas, à tarde, soluçavam mui saudosas...
O eco, burlão, de pedra, ia saltando,
entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.

Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,
e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,
que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,
pois a vida completa e bela e terna ali já estava.

Com a chuva caía das grossas nuvens, perfumosa!
E o papagaio como ficava sonolento!
O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmáticos
fechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.

Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,
e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.
Mariposas, jasmins, tinhorões, vaga-lumes
moravam nos jardins sussurrantes e eternos.

E minha avó cantava e cosia.
Cantava canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.

Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrelas.
Levai-me aonde quiserdes! - aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.


Cecilia Meireles

domingo, 11 de abril de 2010

A alegria


O sofrimento não tem
nenhum valor
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.

Ferreira Gullar

sábado, 10 de abril de 2010

Pendurado no morro

Assistimos todos pesarosos ao que se passa no Rio de Janeiro, as cenas da televisão parecem ser de um terremoto, as equipes de bombeiros resgatando mortos e feridos, verdadeiros tobogãs rasgados pelas enxurradas, a triste, dramática e fatal vida das pessoas que, não tendo terrenos firmes para morar, vão fixar-se nas encostas.

Ai, barracão, pendurado no morro

E pedindo socorro

A cidade a seus pés

Ai, barracão, tua voz eu escuto

E não perco um minuto

Porque sei que tu és

Barracão de zinco

Tradição do meu país

Barracão de zinco

Pobre tão infeliz.


É exatamente isso o que diz a letra célebre do samba. São pessoas que moram naquele abismo porque não têm outro lugar em que morar, livres de impostos, de taxas de condomínio, de luz e de água, pertinho do céu e no centro do inferno.

Nossas roupas comuns dependuradas

Na corda qual bandeiras agitadas

Parecia um estranho festival.

Roupas dependuradas, móveis dependurados, filhos dependurados, vidas dependuradas.

Vivem lá como se dormissem à beira de um vulcão, sabem que são condenados à morte, não é necessário um terremoto para que tenham suas vidas extintas, basta uma chuva forte e tudo desliza morro abaixo para a destruição.

Mesmo quando os barracões não se despegam das encostas, suas vidas são penosas. Se é difícil descer daquelas encostas, imaginem quão mais quase impossível é subir até lá todos os dias, levando comida, crianças no colo, os utensílios para sobreviver naquela subida de penúria e sacrifício.

Como deve ser difícil escalar diariamente aquelas encostas, às vezes na escuridão da noite, todos os dias e todas as noites aquela aventura inóspita, aquele esforço inaudito na luta pela sobrevivência.
Assim como cantava o Lupicínio:

Eu vou mudar o meu barraco mais pra baixo

As minhas pernas já não podem mais subir

Alto do morro era bom na mocidade

Na minha idade a gente tem de desistir

Subir o morro antes era brincadeira

Até carreira eu apostava e não perdia

Quando eu subia todo mundo me aclamava

E reclamava toda vez que eu descia.

Há séculos as encostas caem no Rio de Janeiro, há séculos há deslizamentos nos morros, há séculos os barracos se despegam das encostas e são cumpridas as sentenças de morte contra os favelados.

Tanto que em 1895, o grande carioca Machado de Assis já escrevia: “Que dilúvio, Deus de Noé (…) a princípio não tive medo: cuidei que eram essas chuvas que passam logo. Quando porém os elementos se desencadearam deveras e as ruas ficaram rios, as praças mares, então supus que era realmente o fim dos tempos. As águas entravam pelas casas, outras desciam os morros, cor de barro”.

Ai, barracão, pendurado no morro!
Paulo Sant'Ana
Zero Hora 09/04/2010

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O amor acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.



Paulo Mendes Campos

Novela



Ela chegou em casa e arrumou a tristeza, e lavou a ira, e passou o amor e o ódio, e deu banho nos sonhos, e requentou a coragem, e fatiou a renúncia, e poliu o sarcasmo, e varreu o pânico, e assistiu à mágoa, e tricotou o tédio. E, por fim, bebeu uma garrafa inteirinha de saudade, e engoliu trinta e dois comprimidos de alegria garantida, ou seu dinheiro de volta.

João Batista dos Santos

Dicionário Brasileiro de Prazos

Imagem: internet

Para evitar que estrangeiros fiquem pegando injustamente no nosso pé , está sendo compilado o Dicionário Brasileiro de prazos(que já deveria estar pronto, mas atrasou ...), do qual foram extraídos os trechos a seguir:


DEPENDE: Envolve a conjunção de várias incógnitas, todas desfavoráveis. Em situações anormais, pode até significar sim, embora até hoje tal fenômeno só tenha sido registrado em testes teóricos de laboratório. O mais comum é que signifique diversos pretextos para dizer não.


JÁ JÁ: Aos incautos, pode dar a impressão de ser duas vezes mais rápido do que já. Ledo engano; é muito mais lento. Faço já significa Passou a ser minha primeira prioridade, enquanto Faço já já quer dizer apenas Assim que eu terminar de ler meu jornal, prometo que vou pensar a respeito.


LOGO: Logo é bem mais tempo do que dentro em breve e muito mais do que daqui a pouco. É tão indeterminado que pode até levar séculos. Logo chegaremos a outras galáxias, por exemplo. É preciso também tomar cuidado com a frase Mas logo eu?, que quer dizer Tô fora.


MÊS QUE VEM: Parece coisa de primeiro grau, mas ainda tem estrangeiro que não entendeu. Existem só três tipos de meses: aquele em que estamos agora, os que já passaram e os que ainda estão por vir. Portanto, todos os meses, do próximo até o Apocalipse, são meses que vêm!

NO MÁXIMO: Essa é fácil: quer dizer no mínimo. Exemplo: Entrego em meia hora, no máximo. Significa que a única certeza é de que a coisa não será entregue antes de meia hora.

PODE DEIXAR: Traduz-se como nunca.


POR VOLTA: Similar a no máximo. É uma medida de tempo dilatada, em que o limite inferior é claro, mas o superior é totalmente indefinido. Por volta das 5h quer dizer A partir das 5 h.


SEM FALTA: É uma expressão que só se usa depois do terceiro atraso. Porque depois do primeiro, deve-se dizer Fique tranqüilo que amanhã eu entrego. E depois do segundo, Relaxa, amanhã estará em sua mesa. Só aí é que vem o Amanhã, sem falta.

UM MINUTINHO: É um período de tempo incerto e não sabido, que nada tem a ver com um intervalo de 60 segundos e raramente dura menos que cinco minutos.

VEJA BEM: É o day after do depende. Significa Viu como pressionar não adianta?. É utilizado da seguinte maneira: "Mas você não prometeu os cálculos para hoje?" Resposta: "Veja bem..."


XIIII...: Se dito neste tom, após a frase: Não vou mais tolerar atrasos, OK? Exprime dó e piedade por tamanha ignorância sobre nossa cultura.


ZÁS-TRÁS: Palavra em moda até uns 30 anos atrás e que significava ligeireza no cumprimento de uma tarefa, com total eficiência e sem nenhuma desculpa. Por isso mesmo, caiu em desuso e foi abolida do dicionário.


Autor desconhecido

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A vida das abelhas



Um jovem haitiano de 24 anos foi salvo dos escombros depois de permanecer 11 dias em um espaço de apenas um metro quadrado.
Deve ter sido um sofrimento terrível. Ele trabalhava no bar de um hotel, que caiu todo sobre seu corpo.
Completamente coberto pelo pó dos destroços, declarou, ao ser salvo, que sobreviveu comendo pequena quantidade de biscoitos durante os 11 dias, mas principalmente bebendo Coca-Cola.
Sabe-se que o organismo humano sobrevive a dezenas de dias sem alimentos sólidos, mas perece se não tomar líquido.
Calculei que a Coca-Cola que esse homem bebia para sustentar seu metabolismo não era Coca Light nem Coca Zero. Era Coca normal mesmo. Só com muito açúcar, ele pôde manter firme seu esqueleto.
Cismei também sobre a sorte desse rapaz: ele ficou restrito a espaço de apenas um metro quadrado e os refrigerantes que lhe restaram ali não eram dietéticos. Fossem-no e ele teria morrido.
Sobre refrigerantes dietéticos tenho um depoimento que pode alterar a ciência da apicultura.
Estava tomando minha Coca Zero no famoso Miau da Cabral, que serve, ali naquela rua com esquina para Miguel Tostes, deliciosos espetinhos de picanha, queijo, toscana, xixo, calabresa e outros, quando percebi que um bando de abelhas voejava em torno à minha mesa.
Pensei comigo que aquelas abelhas estavam loucas, a Coca-Cola que eu bebia não era normal, não havia açúcar nela.
Então por que estavam sendo atraídas pelo líquido?
Elas foram levitando como helicópteros em direção à lata de Coca-Cola, uma a uma iam pousando no bojo da lata e penetrando pelo furo, desaparecendo no fundo.
Daí que cheguei a uma conclusão laica: o que atrai as abelhas não é o açúcar, mas o doce. O líquido melífluo da Coca Zero é também saboreado pelas abelhas, o que quer dizer que o aspartame ou outro ingrediente das substâncias dietéticas são do interesse proteico das abelhas.
Fiquei intrigado sobre se o mel que aquelas abelhas produzirão depois de terem ingerido Coca Zero será dietético ou não.
E, na minha investigação alienada sobre a origem do mel, cheguei à conclusão de que as flores onde as abelhas vão buscar o néctar para produzir o mel contêm forte quantidade de açúcar.
Nunca reparei quando mastiguei pétalas ou cílios de flores que eles eram doces. Será que o pólen é doce? Vou prová-lo uma hora dessas nas margaridas que tenho na sacada da minha casa.
Fico sabendo à última hora que as abelhas têm cinco olhos, três deles no topo da cabeça e dois olhos compostos, maiores, na frente.
E que uma abelha produz cinco gramas de mel por ano. Para produzir um quilo de mel, as abelhas têm de visitar 5 milhões de flores.
E que só as abelhas fêmeas trabalham, os machos servem apenas para fecundar a abelha rainha. E, se nascerem duas abelhas rainhas, elas entram em luta, até que uma delas morra.
E que, no fim do verão, depois que os machos já tenham fecundado a rainha, as operárias fecham a porta da colmeia e deixam os machos lá fora morrerem de frio e de fome.
A abelha rainha vive durante quatro anos e as operárias apenas 45 dias.
Dizer que eu só fui adquirir esse conhecimento a partir da minha Coca Zero!



Paulo Sant'Ana

http://wp.clicrbs.com.br/paulosantana/?s=abelhas

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Tempo


A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.

Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome .
Adelia Prado

sábado, 3 de abril de 2010

Se eu fosse um padre



Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,
não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...


Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,
Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus .

Mario Quintana

A Lua




A Lua (dizem os ingleses),
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os ingleses)
É azul de quando em quando.


Fernando Pessoa

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Nomes


AARÃO: é um nome que, em hebraico, significa "luz brilhante" ou "alta montanha"; em árabe, quer dizer "mensageiro". É um personagem da Bíblia: você já leu sobre Aarão, sabe o que ele fez?

ABEL: nome que, em hebraico, significa "respiração", "alento". A Bíblia conta que Abel era filho de Adão e Eva, os primeiros seres humanos criados por Deus, e que ele matou o irmão, Caim. Abel foi um nome bastante comum na Idade Média.

ABELARDO: nome que, em alemão antigo, significa "resoluto", "decidido". Há uma história muito bonita de amor entre Abelardo, um monge do século XII, e uma moça chamada Heloísa. O romance de Abelardo e Heloísa é quase tão famoso quanto a história de Romeu e Julieta, de William Shakespeare.

ABIGAIL: em hebraico, este nome significa "alegria de um pai".

ABRAÃO: nome que quer dizer "pai de muitos filhos", em hebraico. É quase uma garantia que a criança será sábia quando crescer. Ibrahim e Bram são nomes que derivam de Abraão. E duas personalidades famosas com esse nome são Abraão Lincoln, presidente dos Estados Unidos, e Bram Stoker (lembra do Conde Drácula??).

ADA: um nome que, em hebraico, que quer dizer "enfeitada"; em latim, Ada quer dizer "de nascimento nobre".

ADÃO: em hebraico, significa "terra". É o nome do primeiro homem criado por Deus, segundo conta a Bíblia.

ADELAIDE: é uma variação francesa de um nome alemão que significa "de nobre estirpe".

ADELINE: o mesmo que Aline (veja esse nome).

ADOLFO: é um nome alemão, quer dizer "lobo nobre". Foi um nome muito usado depois da II Guerra Mundial (claro, por causa de Adolf Hitler, o ditador).

ADRIANO: em grego, significa "rico" e, em latim, "pessoa escura". Foi um nome muito utilizado por papas da Igreja Católica.

ÁGATA: quer dizer "boa", em grego. Ágata foi, também, uma santa do século III. E uma das Ágatas mais famosas foi a inglesa Agatha Christie, que escreveu misteriosíssimas histórias de assassinatos, até hojes lidas no mundo todo.

AGNES: quer dizer "cordeiro" em latim. Foi uma santa muito popular no século III.

AIDA: nome que, em inglês antigo, significa "cheia de alegria". Uma grande ópera do músico Verdi tem esse nome. Uma Aida famosa foi uma princesa da Etiópia que ficou presa no Egito. Você sabe onde fica a Etiópia? Aproveite para olhar no mapa. Uma dica: fica na África...

ALAN: nome gaélico, que quer dizer "belo". Seu feminino é "Alana". Você sabe que língua é essa, a gaélica? É a língua herdada dos celtas, povo de guerreiros e bruxos que habitou toda a Europa há vários séculos. O gaélico ainda é falado hoje em dia na Irlanda e no País de Gales, na Grã-Bretanha.

ALBANO: nome latino que significa "branco", de onde se originou a palavra "albino" (pergunte ao seu pai o que é uma pessoa albina).

ALBERTO: nome alemão que quer dizer "nobre" e "brilhante". Há muitos Albertos e Albertas famosos, e vários reis com esse nome. O marido da Rainha Vitória, da Inglaterra, era o príncipe Albert. E Albert Einstein era o nome de um dos maiores físicos da história do mundo.

ALEXANDRE: em grego, quer dizer "protetor da humanidade". É também um nome muito popular, e bastante utilizado por reis e rainhas. Alexandre, o Grande, a imperatriz Alexandra, da Rússia, e Alexander Graham Bell (que inventou o telefone) são exemplos famosos de pessoas com este nome. Sandro, Sandra e
Sacha são variações de Alessandro, ou Alexandre.


Fonte: http://www.mingaudigital.com.br/article.php3?id_article=521

Páscoa


Amigos Leitores

Desejo que nesta Páscoa teu coração se renove e fique cheio de esperança para viver em um mundo melhor, com mais carinho, amizade, compreensão, harmonia e paz entre as pessoas e a natureza.
E que sempre nos lembremos que precisamos fazer a nossa parte para que as coisas boas aconteçam.
Abraço
Silvia

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Alfabeto


O A é uma letra com sótão. Chove sempre um pouco sobre o à craseado.

O B é um l que se apaixonou pelo 3. O b minúsculo é uma letra grávida.

Ao C só lhe resta uma saída. O Ç cedilha, esse jamais tira a gravata.

O D é um berimbau bíblico.

O e minúsculo é uma letra esteatopigia (esteatopigia, ensino aos mais atrasadinhos, é uma pessoa que tem certa parte do corpo, que fica atrás e embaixo, muito feia). O E ri-se eternamente das outras letras.

O F, com seu chapéu desabado sobre os olhos, é um gangster à espera de oportunidade. O f minúsculo é um poste antigo.

A pontinha do G é que lhe dá esse ar desdenhoso. O g minúsculo é uma serpente de faquir.

O H é uma letra duplex. A parte de cima é muda. Serve também como escada para as outras letras galgarem sentido. O h minúsculo é um dinossauro.

O I maiúsculo guarda, em seu porte de letra, um pouco do número I romano. O i minúsculo é um bilboquê.

O J, com seu gancho de pirata, rouba às vezes o lugar do g. O j minúsculo é uma foca brincando com sua bolinha.

Vê-se nitidamente; o K é uma letra inacabada. Por enquanto só tem os andaimes. Parece que vão fazer um R. Junto com o k minúsculo o K maiúsculo treina passo-de-ganso.

O L maiúsculo parece um l que extraíram com raiz e tudo. Mas o l minúsculo não consegue disfarçar que é um número (1) romano espionando o número arábico.

O M maiúsculo é um gráfico de uma firma instável. O m minúsculo é uma cadeia de montanhas.

O N é um M perneta. No n minúsculo pode-se jogar críquete com a bolinha do o.

O O maiúsculo boceja largamente diante da chatice das outras letras. O o minúsculo é um buraquinho no alfabeto.

O p é um d plantando bananeira. Ou o q, vindo de volta.

O Q maiúsculo anda sempre com o laço do sapato solto. O q minúsculo é um p se olhando de costas ao espelho.

O R ficou assim de tanto praticar halterofilismo. Sente-se que o s é um cifrão fracassado.

O S maiúsculo é um cisne orgulhoso. Na balança do T se faz jusTiça.

O U é a ferradura do alfabeto, protegendo o galope das idéias. O u minúsculo é um n com as patinhas pro ar.

O V é uma ponta de lança.

O W são vês siameses.

O X é uma encruzilhada.

O Y é a taça onde bebem as outras letras.

Desapareceu do alfabeto porque se entregou covardemente, de braços pra cima.

O Z é o caminho mais curto entre dois bares. O z minúsculo é um s cubista.


Millôr Fernandes