quarta-feira, 29 de junho de 2011

Dos nossos males



A nós bastem nossos próprios ais,
Que a ninguém sua cruz é pequenina.

Por pior que seja a situação da China,
Os nossos calos doem muito mais...






Mario Quintana

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Silêncio e palavra




A couraça das palavras
protege o nosso silêncio
e esconde aquilo que somos

Que importa falarmos tanto?
Apenas repetiremos.

Ademais, nem são palavras.
Sons vazios de mensagem,
são como a fria mortalha
do cotidiano morto.
Como pássaros cansados,
que não encontraram pouso
certamente tombarão.

Muitos verões se sucedem:
o tempo madura os frutos,
branqueia nossos cabelos.
Mas o homem noturno espera
a aurora da nossa boca.

Se mãos estranhas romperem
a veste que nos esconde,
acharão uma verdade
em forma não revelável.
(E os homens têm olhos sujos,
não podem ver através.)

Mas um dia chegará
em que a oferenda dos deuses,
dada em forma de silêncio,
em palavra transfaremos.

E se porventura a dermos
ao mundo, tal como a flor
que se oferta - humilde e pura - ,
teremos então cumprido
a missão que é dada ao poeta.
E como são onda e mar,
seremos palavra e homem.



Thiago de Mello

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Casa arrumada

Imagem:bhg.com


Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação
e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico,



um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas…




Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso,
pelo abuso das refeições fartas,
que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.




Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.

E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.



Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.

Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto…




Casa com vida é aquela em que a gente entra
e se sente bem-vinda.

A que está sempre pronta pros amigos, filhos…
Netos, pros vizinhos…
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.

Casa com vida é aquela que a gente arruma
pra ficar com a cara da gente.




Arrume a sua casa todos os dias…

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…




E reconhecer nela o seu lugar.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 18 de junho de 2011

Despedida



Quando a guerra não foi mais que um simples jogo
quando o medo fez mais cedo um outro escuro
e o futuro se fez logo ali, dobrando
eu vi, amiga: era tarde.

Quando o mundo foi além do meu quintal
quando a vida foi jornal e não história
e a memória fez a contramão do dia
eu vi, amiga: era tarde.

Quando o vento não me fez abrir os braços
ao abraço sideral de estar voando
e a pandorga me fugiu sem dizer quando
eu vi, amiga: era tarde.

Quando o guarda que dormia nos brinquedos
pôs o dedo no olhar da minha pressa
e quis ver o que a vida fez de mim
eu vi, amiga: era tarde.

Quando a noite foi algema no meu sono
e eu, de dono, fui escravo de um relógio
e no pulso pus dilema e cotidiano
eu vi, amiga: era tarde.

Quando o tempo foi julgado em outra lei
e a tristeza me beijou, tão natural
nas paredes, no vazio fundo da casa
eu vi, amiga: era tarde.
Muito tarde.

Jaime Vaz Brasil

sexta-feira, 17 de junho de 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O guarda-chuva vermelho



Eu tinha um guarda-chuva vermelho que andava comigo
noites sem fim. Eu não sabia que com o tempo o meu guarda-
-chuva vermelho começou a fazer parte de mim, do meu corpo,
da minha alma e sobretudo do meu coração que batia de vez
em quando, especialmente no início das noites. Quando eu
adormecia, comigo também adormecia meu guarda-chuva
vermelho, ali do meu lado, como minha extensão. Ontem à
noite saí com meu guarda-chuva vermelho dentro da chuva que
me lavava das sombras antigas. E aos poucos eu fui me desfazendo
de mim, escorrendo na calçada e me misturando na chuva que
que batia nos telhados das casas e nas igrejas. Assim, desapareci,
como se não tivesse existido, escorrendo de mim mesmo, sem
que meu guarda-chuva vermelho tivesse percebido.



Álvaro Alves de Faria

segunda-feira, 13 de junho de 2011

domingo, 12 de junho de 2011

Dia dos namorados




Se há uma atividade na qual sou um expert é o exercício da função de namorado. Não que eu namore muitas mulheres, ao contrário, minha sabedoria no assunto vem do fato de que namoro a mesma mulher há 25 anos.




E quando a gente se dedica com tanta determinação ao mesmo objetivo, acaba aprendendo muita coisa. Pode ser até que eu não entenda das outras, mas da minha namorada eu entendo. E aí é só generalizar. No fim das contas, fora o tom da voz e os hábitos de higiene, as mulheres são mais ou menos iguais. Sabendo mexer com uma, a gente sabe como as outras funcionam.




Já escrevi certa vez sobre isso e quase apanhei de algumas mais exaltadas. Só porque comentei que “elas tem 4 bilhões de neurônios a menos” e que “um negócio feito de uma costela” não poderia dar certo (“na minha terra, costela é pra fazer churrasco”). Foi aí que descobri que as mulheres quando ficam exaltadas perdem o senso de humor.




Se você está começando agora, saiu da fase de ficar com várias e, pela primeira vez, mergulha de cabeça nessa aventura fascinante que é namorar uma garota, fique atento aos mínimos detalhes. Elas precisam ser tratadas com carinho especial. E merecem.




Dizem que Deus, quando criou Adão, estava apenas ensaiando. A obra prima da natureza é a mulher. E eu concordo.




Você aos poucos vai confirmar isso. “A mulher é um organismo bastante complexo e sofisticado, de manutenção cara e difícil manuseio, mas com certeza não vai encontrar nada melhor em toda sua vida. É uma companhia agradável, simpática, bonita, divertida e ótima para a prática sexual”.




Na ocasião em que escrevi sobre as mulheres, aproveitei para dividir com meus leitores um segredo infalível. “Elas não são fáceis de controlar, mas existem alguns truques para conseguir o que se quer de uma mulher. Um deles é o popular buquê de flores. Não existe uma explicação lógica, mas já foi comprovado cientificamente que um punhado de flores quaisquer provoca uma reação hormonal em cadeia que altera o humor feminino. Para melhor”.




Todo ano, quando chega o dia dos namorados, você tem que deixar bem claro para sua amada que ela é a dona do seu coração. E tenha sempre em mente: toda mulher gosta de romance. Escreva um verso, ensaie uma declaração de amor, aprenda uma canção... Eu criei o hábito de começar cada dia 12 de junho cantando “se você quer ser minha namorada...”. Vem dando certo.




Ah sim, e não esqueça o buquê de flores.




Kledir Ramil

domingo, 5 de junho de 2011

O que a gente espera de um amor?



O que a gente espera de um amor? Tudo. Que sejamos apoiados em todas as nossas decisões, que o sexo seja nada menos que exuberante, que jamais escutemos um não, que o humor se mantenha sempre elevado, que adivinhem nossos pensamentos (e não adivinhem quando eles puderem causar mágoa), que haja disposição para aceitar todos os convites, que nunca cansemos do rosto, da voz, do jeito do outro, que os dias passem leves e que sejam sempre como foram os primeiros, que o tédio jamais bata à porta, que não haja mal-entendidos, que não se economize nos beijos, que a vida cumpra o prometido: ser uma festa constante.

O que a gente espera de um amor soa a delírio, e por isso a frustração logo se instala. Não há como realizar nem metade do que idealizamos, e muito menos o tempo inteiro. Deveríamos esperar apenas uma coisa do amor, do nosso amor: o que ele puder nos oferecer.

Ele não vai topar ir a um concerto de música clássica, pois acha chatíssimo, e você então vai sozinha, e, sem pensar em revanche, aceitará dele um convite para assistir a um show de hip-hop numa casa noturna em que você jurou jamais colocar os pés, e de repente vai adorar o programa que terminará às 4h da manhã, horário em que você normalmente já está quase se levantando da cama para iniciar o dia.

Seu amor não vai oferecer beijos a todo instante, mas um dia acordará você com pétalas de rosa pelo chão do quarto e você não achará cafona, e sim brindará, com suco de laranja e croissants quentinhos, o fato de ainda ser surpreendida na idade em que está.

Ele não vai curtir a vida ao ar livre como você queria, se negará a montar num cavalo ou caminhar por uma trilha, lhe parecerá urbano demais, mas em contrapartida oferecerá um copo de vinho, um cafuné prolongado, um silêncio apaziguador que até parecerá coisa do campo, mesmo vocês estando no sofá da sala num prédio de 15 andares em meio a uma capital caótica.

Ele não vai conseguir realizar seu sonho de cruzar os Estados Unidos de carro, mas vai oferecer a você um passeio de barco por aqui perto, você que odeia barcos — ou melhor, odiava. Ele não vai se vestir dentro dos padrões que você considera de bom gosto, mas vai impactá-la com uma originalidade à qual você não estava acostumada. Ele não vai dizer a frase certa na hora certa, e vai fazer você descobrir que não há frases erradas quando se fala com o coração. Ele não vai gostar do que você gosta, e você não vai gostar do que ele gosta, e a criatividade para descobrir prazeres em comum dará à relação um caráter insuspeitado.

De um jeito mais simples, é possível amar aceitando o que é possível receber, sem sofrer pelo que foi sonhado em vão. "O que a gente espera de um amor soa a delírio, e por isso a frustração logo se instala. Não há como realizar nem metade do que idealizamos, e muito menos o tempo inteiro."






Martha Medeiros

sábado, 4 de junho de 2011

Frases

Imagem: Gramado RS


Nós somos o que temos e o que sofremos .



Mario Quintana.

Não se devia permitir nos relógios de parede esses ponteiros que marcam os segundos: eles nos envelhecem muito mais do que o ponteiro das horas.



Mario Quintana.

Os extrovertidos são julgados normais. Quanto aos introvertidos, chegam a submetê-los a tratamento. Mas para curá-los de quê? De não poderem ser chatos, como os outros?




Mario Quintana.


Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo.



Mario Quintana.


Não gosto de estar dormindo nem de estar morto perto de ninguém.



Mario Quintana.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

De volta ao parque




O adulto é um sujeito grande com outro pequeno por dentro. Nem precisa de arte para entender isto. Basta a ciência. Nela tem um conceito desenvolvido por Daniel Stern e diz assim: perto de um choro e de uma fralda, voltamos a eles; todo conceito nos puxa para trás. Complicou? Aí tem a arte para esclarecer: trago em mim todas as idades, escreveu o poeta Paulo Hecker Filho. Tudo se soma, nada se perde, somos também o que fomos.

No parque, por exemplo. Dia desses, fui com a minha filha. Primeiro a pipoca, e não se volta à toa ou para pouco. Pode pôr bastante leite condensado, moço. Se a infância tem gosto, é de leite condensado. Depois, um carrosselzinho para relaxar. Ir e vir são mesmo a cara da infância. Leite nas ventas, giramos até eu esquecer que, nos últimos tempos, andava apenas indo sob o ritmo assustador e sem volta. Sim, minha filha, também sei acariciar um cavalo. Tirá-lo do parado, fazê-lo voador, dragão, empunhar espada como São Jorge, combater inimigos como Dom Quixote. O cavalo parou, desci. Encontrei agora o meu melhor amigo. O inimigo espia no autochoque. Estou de olho nele, porque perto está a guria de quem mais gosto. Nunca escondi isto nos jogos da verdade. Deixei-a ganhar nos jogos da cadeira. Caído, fiquei de pé para ela.

Algodão-doce, minha filha. Só me deixa limpar a baba, fruto do leite e da guria. Vamos dividir? Quero espaço para um picolé. Vou lamber durante a pescaria, o prêmio há de ser bom, mas cada sorvete é um prêmio. Filha, olha como tudo é pequeno visto da roda-gigante. Se ela trancar, a gente grita. O som da infância é um grito enorme, querendo soltar-se.

Só falta o pirulito colorido. Aí está e nada deve ao arco-íris. Barca Viking? Os Vikings já existiam, mas não nesta barca. Claro que vou junto, filha, sou uma criança predisposta a tudo, olha o meu joelho, ele é tão esfolado quanto o teu. Na ponta? Sim, para comemorar que estamos no começo. Toda a vida pela frente, como escreveu Emile Ajar, que ainda não li, pois voltei a ser pequeno, e o Paulo Hecker não me alcançou o seu exemplar surrado.

Não é obra, filha, é a vida mesmo. Claro que vamos. Mas por que vai tão alto? Eu vou gritar, filha, por que desce tão rápido? Parece queda livre, eu quero sair, socorro, não tenho saúde para tanto, onde se escondeu a minha coragem? O meu cerebelo está gasto, você não sabe o que é cerebelo? Nunca ouviu falar em aparelho vestibular e ouvido interno? Para esta joça, moço, eu quero descer, eu preciso descer, não de pequeno e assustado, mas de grande e assustado, meu joelho já é inexoravelmente liso, e o gosto do leite condensado era mais memória do que agora, mentira feia, de gente grande, a verdade é pálida, sua e vomita.

Desculpa, filha, sou apenas teu pai crescido para sempre.

Celso Gutreind

quarta-feira, 1 de junho de 2011



O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.

Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.


Cora Coralina

O saber se aprende com os mestres.

A sabedoria, só com o corriqueiro da vida.


Cora Coralina