domingo, 26 de maio de 2013

Brrrrrrrrrr





Aos 16 anos, eu não conseguia admitir que alguém pudesse gostar de inverno. Só podia ser maluco, deprimido, estressado ou coisa pior. Escolher logo a estação mais encarangada do ano? Não fazia sentido. Na época, era fanática pelo verão, e meus argumentos pareciam irrefutáveis: ora, no verão ficamos perto do mar, usamos menos roupa, saímos mais de casa. No verão os dias são longos, praticamos mais atividades físicas, comemos mais saladas. Quem trocaria essa vida saudável por dias cinzentos, curtos e gelados?

Quem trocaria braços abertos sobre a Guanabara por braços cruzados e mãos embaixo da axila? Quem preferiria correr o risco de se gripar dia sim, outro também? E quem haveria de considerar agradável sair debaixo das cobertas de manhã cedo para enfrentar um dia que nem virou dia ainda?

Mas isso foi aos 16. Cresci, amadureci e me reconciliei com o inverno. Passei a valorizar os casacões, as botas, o vinho, a lareira, as paisagens serranas, enfim, o lado romântico da estação. Cheguei a admitir em um poema que o inverno era minha estação preferida. Provavelmente, uma tentativa de que me levassem mais a sério. Adultos respeitáveis não combinam com bermuda, e sim com sobretudos.

Não ficam rindo à toa, mantêm a classe da sisudez. Não tomam chope, não dançam em rodas de samba, odeiam Carnaval, nunca foram fotografados em situações vulgares. Escritores, menos ainda. Imagine uma Marguerite Duras de biquíni em Capão, um Philip Roth de sunga tomando banho de mangueira no quintal. O cachecol é que dignifica os intelectuais.

Segui vivendo, amadureci mais um pouco e finalmente cheguei a uma conclusão definitiva: às favas com minha credibilidade, que a adulta em mim procure asilo na Sibéria. Hoje afirmo, assino embaixo e reconheço firma em cartório se for preciso: tenho pavor de sentir frio. A elegância que os dias gélidos me conferem não compensa a leveza e o bom humor que me são subtraídos. E vinho tinto eu tomo em qualquer estação.

Só quem ganha com o inverno é o turismo, já que o frio é nossa principal atração turística. No mais, quem em seu juízo perfeito iria curtir passar o dia com o nariz gelado, as pernas enrijecidas e sentindo-se tentado a matar o banho? Quem não se assusta com o valor da conta de luz no fim do mês? E o que se gasta em farmácia? Mulheres, me ajudem: como se vestir adequadamente para um casamento numa noite em que faz 4°C? E vocês, rapazes, têm tido coragem de tirar as meias antes de dormir?

Cresci, amadureci, mas não adiantou nada: contrariando a evolução da espécie, voltei ao tempo em que era movida a energia solar. Menos mal que sempre teremos intelectuais de cachecol para salvar a pátria.

Martha Medeiros 

 Zero Hora 06 /07/ 2011.

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