segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Refletir

Hoje trouxe uma mensagem narrada por Fernanda Montenegro, sugestão da amiga Shirley.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Oceano



Junto do mar, que erguia gravemente
À trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?
Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

Antero de Quental

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O horário da novela


A minha turma da Rua Padre Chagas é teimosa em dar apelidos aos outros.

Há um advogado que senta com a gente no café e para tudo que se diz ele responde com a mesma expressão: “Há nexo”.

Se se fala que os terroristas islâmicos atam bombas a seu próprio corpo e as explodem nas áreas inimigas, ele intervém: “Há nexo”.

Se a conversa gira em torno da adoção de crianças por casal de gays, ele lasca: “Há nexo”.

Para tudo que acontece no mundo ele tem uma sentença: “Há nexo”.

Foi aí que a turma da Padre Chagas já o apelidou de Anexo.


Já um tipo extrovertido que senta à mesa de vez em quando e se deita a narrar suas aventuras eróticas a turma da Padre Chagas apelidou com um primor vernacular.

O sujeito afirma sempre em suas narrativas que, durante os frequentes congressos carnais que mantém fora do casamento, pauta sua conduta por ficar trocando palavras obscenas com as parceiras enquanto se dedica ao intercurso.

Ele só tem prazer no sexo quando ele e a parceira pronunciam obscenidades durante os jogos de amor.

Sente mais prazer nas palavras do que no sexo propriamente dito.

A turma da Padre Chagas já o apelidou de Sexófono.


Mas sempre ronda a mesa de rua do café um vendedor de bugigangas, um tipo muito simpático, que no entanto apresenta um defeito físico bem acentuado: todo o seu corpo é coberto de verrugas.

Ele mostra verrugas nas mãos, nos braços, no rosto.

A turma da Padre Chagas foi cruel e infame ao apelidá-lo de Chokito.

Paulo Sant'Ana

Zero Hora 06/08/2010


Leia o texto na íntegra

domingo, 22 de agosto de 2010

A um ausente


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?


Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Aprendamos, amor


Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.

Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.

José Saramago

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Metanáutica



água
vela
corpo e destino
rio
barco
ela e menino
e duro e dar-te
e vento e vela
e corpo e charco
e eu e ela


triste é o destino das águas
enquanto rio
e o destino do rio
enquanto vento
e o destino do vento
enquanto barco
e o destino do barco
enquanto vela
e eu e ela
e duro e dar-te
e cio e cela


enquanto barco preciso
içar as velas de cio
enquanto vela procuro
mamar-te em corpo e escuro
enquanto corpo resolvo
andar-te em duro e durar-te.

Geraldo Reis

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Aqui não faz frio!


Nós aqui da Zero Hora, nós somos um jornal eternamente perplexo com nosso próprio clima. A chuva que se derrama de baldes e flagela as populações ribeirinhas, o vento que arranca árvores pela raiz e as atira sobre Fuscas, a canícula que faz Batistas desfalecerem, qualquer intempérie vale manchete. Muito conveniente. Assim, sempre temos chamada de capa, mesmo que nada aconteça em todo o Rio Grande amado.

Mas, ao contrário do que eventuais críticos possam pensar, essa característica é um predicado do jornal. Demonstra que o veículo está em harmonia com seu público. Pois o gaúcho é um ser eternamente perplexo com o clima do seu próprio Estado. Mais até: o gaúcho orgulha-se dos supostos rigores do tempo no Rio Grande do Sul.

Alguns campeonatos atrás, o Maurício Saraiva, ele com sua alma carioca, foi cobrir um jogo em Caxias. Fazia frio. Em meio à partida, o serviço de som anunciou:

– Neste momento, zero grau!

As arquibancadas tremeram. A torcida comemorou a temperatura como se fosse um gol.

Só que tem o seguinte: não faz tanto frio assim no Rio Grande do Sul. Todos os países da Velha Europa e da América do Norte; o Japão e a China; a Rússia, que até é defendida pelo seu General Inverno; a Argentina; o Uruguai; o Chile; todos esses e mais tantos outros são mais frios do que o Rio Grande do Sul. Nossas temperaturas raro baixam do zero e só de vez em quando se erguem acima dos 40 graus. Dois meses de inverno, dois meses de verão, oito meses de suavidade. Já passei mais calor em Viena, já passei mais frio na África. O clima, aqui, é ameno como um beijo na testa.

E ainda assim o gaúcho estufa o peito para falar das temperaturas baixas que fazem no seu Estado. Agora mesmo a neve rala que se precipitou na Serra fez estremecer o Rio Grande, mas não de frio: de brio. O que diz muito sobre a personalidade do gaúcho: o gaúcho se gosta, e se gosta tanto que se ufana do frio que sente. Ainda que não seja tão frio assim.

É bonito isso. E bom, que é bom gostar de si mesmo.

Vale manchete.


No Rio Grande do Sul não faz frio.

No Rio Grande do Sul SENTE-SE frio.

Como o inverno gaúcho dura poucas semanas, os construtores acham que não vale a pena instalar calefação nas casas, nos prédios, em lugar nenhum. Desta forma, o gaúcho suporta sentir frio por alguns dias em troca de alguns caraminguás. Por economia. Então, chega o inverno, a temperatura cai um tantinho e as pessoas não têm para onde fugir. A saída é vestir-se como um mendigo: camiseta, camisa, blusão, casaco, outro casaco, manta, touca, tudo superposto.

O que é isso?

É a tal “estética do frio”, que dizem que existe por aqui. Estética do frio num lugar em que não faz frio, mas onde as pessoas sofrem com o frio. O Rio Grande amado é diferente de tudo mesmo.

David Coimbra
Zero Hora 06/08/2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Como dizia o poeta



Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu


Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não

Vinícius de Moraes

sábado, 14 de agosto de 2010

Assim eu vejo a vida


A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado

Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.


Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.


Cora Coralina

sexta-feira, 13 de agosto de 2010


O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.

Mario Quintana

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Férias

Amigos leitores do blog,
vou sair em férias por algum tempo, mas deixei ótimos textos e poesias postados no blog. Portanto, não estranhem se os comentários levarem algum tempo para serem publicados.
Até mais ... Τα λέμε!

Fio


No fio da respiração,
rola a minha vida monótona,
rola o peso do meu coração.

Tu não vês o jogo perdendo-se
como as palavras de uma canção.

Passas longe, entre nuvens rápidas,
com tantas estrelas na mão...

— Para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?


Cecilia Meireles

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Direitos humanos


Sei que Deus mora em mim
como sua melhor casa.
sou sua paisagem,
sua retorta alquímica
e para sua alegria
seus dois olhos.

Mas esta letra é minha.

Adélia Prado

terça-feira, 10 de agosto de 2010



Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos..
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ato de contrição



Ah Como somos comedidos!
Acomodamo-nos, vãos,
nos limites do concebido.

Somos bem educados, cultos,
E ruge tanta fome
Nos apetites fora do concedido.

Ah como somos sob medida!
Submetidos, hirtos, bem vestidos
Robôs impecáveis, ilusão de vida.

Ah somos como os subvertidos,
Introvertida soma de extrovertidos,
Por pompa, tinta, arroto ou brilhantina.

Filhos do instante, do entanto e do porém
Somos através, como vidros,
Mas opacos e pervertidos, sempre aquém.

Traçamos sinas e abstrações
Terçamos ódios finos, dissuadidos,
lãs de olvido e alucinações.

Sovamos os sidos, os vividos,
Somos eiva, disfarce, diluição.
Somos somas e subtrações.

Artur da Távola

sábado, 7 de agosto de 2010

Brincadeira de criança


1.Quem é o rei da horta?
O Rei Polho.


2.Qual é o fim da picada?
Quando o pernilongo vai embora.


3.O que é o que é: tem 5 dedos, mas não tem unha?
A luva

4.O que é o que é:Que quanto mais cresce menos se vê?
A escuridão

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A ausente


Os que se vão, vão depressa,
Ontem, ainda, sorria na espreguiçadeira.
Ontem dizia adeus, ainda, da janela.
Ontem vestia, ainda, o vestido tão leve cor-de-rosa.

Os que se vão, vão depressa.
Seus olhos grandes e pretos há pouco brilhavam.
Sua voz doce e firme faz pouco ainda falava,
Suas mãos morenas tinham gestos de bênçãos.
No entanto hoje, na festa, ela não estava.
Nem um vestígio dela, sequer,
Decerto sua lembrança nem chegou, como os convidados —
Alguns, quase todos, indiferentes e desconhecidos.

Os que se vão, vão depressa.
Mais depressa que o s pássaros que passam no céu,
Mais depressa que o próprio tempo,
Mais depressa que a bondade dos homens,
Mais depressa que os trens correndo nas noites escuras,
Mais depressa que a estrela fugitiva
Que mal faz um traço no céu.
Os que se vão, vão depressa.
Só no coração do poeta, que é diferente dos outros corações,
Só no coração sempre ferido do poeta
É que não vão depressa os que se vão>

Ontem ainda sorria na espreguiçadeira,
E o seu coração era grande e infeliz.
Hoje, na festa ela não estava, nem a sua lembrança.
Vão depressa, tão depressa os que se vão...


Augusto Frederico Schimidt

O vento



Estou vivo mas não tenho corpo
Por isso é que não tenho forma
Peso eu também não tenho
Não tenho cor

Quando sou fraco
Me chamo brisa

E se assobio
Isso é comum

Quando sou forte
Me chamo vento

Quando sou cheiro
Me chamo pum!

Vinicius de Moraes

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Serenata


Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Cecília Meireles

Tem tudo a ver


A poesia
tem tudo a ver
com tua dor e alegrias,
com as cores, as formas, os cheiros,
os sabores e a música
do mundo.

A poesia
tem tudo a ver
com o sorriso da criança,
o diálogo dos namorados,
as lágrimas diante da morte,
os olhos pedindo pão.

A poesia
tem tudo a ver
com a plumagem, o vôo e o canto,
a veloz acrobacia dos peixes,
as cores todas do arco-íris,
o ritmo dos rios e cachoeiras,
o brilho da lua, do sol e das estrelas,
a explosão em verde, em flores e frutos.

A poesia
- é só abrir os olhos e ver –
tem tudo a ver
com tudo.

Elias José