Gostamos mais de punir do que amar e perdoar. Para reclamar e cobrar, não pensamos duas vezes. Para desculpar, ainda estamos pensando.
Todo marido ou esposa sofre com a separação. É resistir ao transbordamento do ressentimento, acompanhar com pesar a transformação de uma personalidade atenta e interessada em tudo o que você diz para um ente completamente estranho, indiferente e amargo, que mal olha em seus olhos.
Se a antipatia declarada do divórcio já atormenta, não conheço algo mais cruel do que a distância de uma mãe de seu filho. Quando o filho rompe com os pais velhos e demora a fazer as pazes, confiando num futuro infinito para a reconciliação.
Na praia do Cassino, a amiga Berenice, 73 anos, comprou duas casas geminadas, uma para si e outra para seu filho, Juvenal, 39.
O que ela não previa era o estremecimento das relações entre os dois. O boicote filial vem durando quatro veraneios.
Juvenal prepara churrasco, recebe amigos e familiares, brinca com os vizinhos, e jamais convida sua mãe a participar de qualquer festa. Ela fica na varanda, triste e sonolenta, observando a algazarra, mexendo sua cadeira de balanço para trás e para frente.
Juvenal passa de manhã pela residência materna, que é caminho da padaria, e não a cumprimenta nem na ida, muito menos na volta. Atravessa reto, como se ela não existisse, como se fosse um túmulo desconhecido.
Seu desprezo extrapolou a conta. Mesmo que tenha razão em brigar, não há sentido em prolongar a dor de alguém que envelheceu.
Ela experimentou 60 dias na praia com a expectativa de uma retomada dos laços com sua criança grande. E os dias são décadas para a terceira idade. E as décadas são séculos para os cabelos grisalhos.
Não tomava banho de mar para não correr risco de perder o reencontro. Mantinha-se tricotando na entrada, despistando o choro da voz. Uma Penélope do próprio ventre. Uma viúva de suas vísceras.
É um erro forçar que nossos pais mudem de comportamento, é uma tolice educá-los com reprimendas e devolver castigos da infância, é inútil propor que eles concordem com nossas opiniões. Forçar uma retratação não tem sentido. O ódio é apenas um segundo nome da dependência.
O filho sempre será o lado mais fraco, acostume-se, o lado que deve ceder. Não é justo brigar com quem tem o dobro de nossa idade. Podemos guerrear com irmão, virar as costas a um amigo, onde ocorre uma equivalência etária, onde haverá tempo para acertar as arestas.
Mas nunca destrate pai e mãe enrugados. Finja que concorda. Mude de assunto. Não seja o centro da discórdia. Não prolongue o mal-estar. Estar certo não nos acrescenta em importância.
Esqueça o rancor. Antes que a morte seja a última lembrança. E o arrependimento cubra a lápide com a voracidade dos inços.
Fabricio Carpinejar
Zero Hora 06/03/2012
Todo marido ou esposa sofre com a separação. É resistir ao transbordamento do ressentimento, acompanhar com pesar a transformação de uma personalidade atenta e interessada em tudo o que você diz para um ente completamente estranho, indiferente e amargo, que mal olha em seus olhos.
Se a antipatia declarada do divórcio já atormenta, não conheço algo mais cruel do que a distância de uma mãe de seu filho. Quando o filho rompe com os pais velhos e demora a fazer as pazes, confiando num futuro infinito para a reconciliação.
Na praia do Cassino, a amiga Berenice, 73 anos, comprou duas casas geminadas, uma para si e outra para seu filho, Juvenal, 39.
O que ela não previa era o estremecimento das relações entre os dois. O boicote filial vem durando quatro veraneios.
Juvenal prepara churrasco, recebe amigos e familiares, brinca com os vizinhos, e jamais convida sua mãe a participar de qualquer festa. Ela fica na varanda, triste e sonolenta, observando a algazarra, mexendo sua cadeira de balanço para trás e para frente.
Juvenal passa de manhã pela residência materna, que é caminho da padaria, e não a cumprimenta nem na ida, muito menos na volta. Atravessa reto, como se ela não existisse, como se fosse um túmulo desconhecido.
Seu desprezo extrapolou a conta. Mesmo que tenha razão em brigar, não há sentido em prolongar a dor de alguém que envelheceu.
Ela experimentou 60 dias na praia com a expectativa de uma retomada dos laços com sua criança grande. E os dias são décadas para a terceira idade. E as décadas são séculos para os cabelos grisalhos.
Não tomava banho de mar para não correr risco de perder o reencontro. Mantinha-se tricotando na entrada, despistando o choro da voz. Uma Penélope do próprio ventre. Uma viúva de suas vísceras.
É um erro forçar que nossos pais mudem de comportamento, é uma tolice educá-los com reprimendas e devolver castigos da infância, é inútil propor que eles concordem com nossas opiniões. Forçar uma retratação não tem sentido. O ódio é apenas um segundo nome da dependência.
O filho sempre será o lado mais fraco, acostume-se, o lado que deve ceder. Não é justo brigar com quem tem o dobro de nossa idade. Podemos guerrear com irmão, virar as costas a um amigo, onde ocorre uma equivalência etária, onde haverá tempo para acertar as arestas.
Mas nunca destrate pai e mãe enrugados. Finja que concorda. Mude de assunto. Não seja o centro da discórdia. Não prolongue o mal-estar. Estar certo não nos acrescenta em importância.
Esqueça o rancor. Antes que a morte seja a última lembrança. E o arrependimento cubra a lápide com a voracidade dos inços.
Fabricio Carpinejar
Zero Hora 06/03/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Adoro saber tua opinião!
Obrigada por participar.