sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Estou cansado



Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.




De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.




A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.




Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?




Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos
(Fernando Pessoa)

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