Quando eu era criança, nunca tive desejo de ter um carro.
Porque morava num lugar em que não passavam carros.
Lá distante, onde era a Avenida Aparício Borges, onde só minha vista alcançava, eu via que passavam os carros, mas não fazia a menor idéia de quem eram seus donos.
Eu só fui ter desejo de ter um carro quando identifiquei os donos dos carros e vi que eles eram diferentes de mim por eu não ter carro.
Foi a minha primeira comparação, o abismo que me levou a achar que os outros eram mais felizes do que eu.
O que quero dizer é o seguinte: se olharmos só para o que somos, temos mais chances de sermos felizes.
Em Cuba, por exemplo, onde todos são pobres, todos ganham pouco, ninguém se julga infeliz.
Os cubanos infelizes são aqueles que sabem que a poucos quilômetros da ilha existe Miami, os EUA, onde as condições de vida dos norteamericanos são infinitamente melhores que as dos cubanos.
Isso passa a ser insuportável, pois se instala neles a idéia de que suas vidas são muito piores que as dos seus vizinhos norte-americanos.
Em outras palavras, só pode ser feliz quem não acha os outros mais felizes.
Toda a encrenca humana reside em nos compararmos com nossos vizinhos, isto é, com os outros.
Sempre que acharmos que alguém é mais feliz do que nós, acabaremos sendo infelizes.
É muito difícil para os humanos encarar com naturalidade a felicidade dos outros, até mesmo porque aos nossos olhos invejosos os outros são mais felizes do que realmente o são.
O próprio Sartre disse que “ o inferno são os outros”.
O que quer dizer que nós teríamos muito mais chances de sermos felizes e realizados se olhássemos só para nós.
Por isso é que os livros sagrados dizem que ser rico não é possuir todas as riquezas, no nosso caso muito dinheiro, muitas propriedades, viajar para onde nos apetecer.
Ser rico, dizem os livros sagrados, é contentar-se com o que se tem.
Se há um segredo de felicidade é este: achar que é bastante o que se possui, sem olhar para o que possuem os outros.
Sei que estou dando uma receita quase impossível de seguir, mas também sei que é a única receita capaz de levar uma pessoa a ser feliz.
Pelo amor de Deus, isso não quer dizer que o homem não deva ambicionar, até mesmo porque a razão central do progresso dos homens e das nações é a ambição.
Mas a ambição deve ser uma meta, uma trilha a seguir, e não o despeito por ver que os outros têm mais do que nós.
Ou seja, a felicidade está apenas no que somos e no que desejamos ser, mas sem nos importarmos com o parâmetro alheio.
Assim, justo é que queiramos crescer porque vemos que há espaço para crescermos – e não porque entendemos que os outros estão mais crescidos.
Fôssemos ser infelizes porque possuímos menos do que os outros, teríamos que paralisar, cruzar os braços e nunca mais avançar quando constatássemos que outros possuem muito menos do que nós.
*texto publicado em 14/09/2008
Paulo SantAna
Zero Hora 18/06/2012
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