quarta-feira, 10 de novembro de 2010

As minhas mãos


Para que vos quero, para que me servis, minhas mãos, se já não posso tocar convosco nem mais uma ilusão ou sonho?

Tristes mãos minhas, que não mais acariciam nem possuem mais a coragem de colher uma flor!

Mãos já incapazes de empunhar uma bandeira, sequer de afagar um cão.

Para que servis, minhas mãos, que antes tantas obras forjastes? Hoje mal que tremulamente ofereceis uma esmola.

Ainda bem que nunca se tingiram de sangue nem jamais se entregaram ao ócio. O que no entanto exijo de vós, mãos minhas, é que desmascareis os hipócritas e surreis os impostores.

Tanto estou a desconfiar de vós, minhas mãos enfastiadas, que temo que estejais dispostas eventualmente a dar tapinhas nas costas dos poderosos iníquos.

Para que servis hoje, minhas mãos decagonais, senão para arroubos de lascívia?

Temo até que deixastes, minhas mãos, de ser esperançosas nos vossos acenos de adeus.

Mãos caídas, impotentes já para esplêndidos gestos de aceite ou de recusa.


Vós vos finastes, minhas mãos. Talvez até para os abraços sinceros. Nunca mais vos atrevestes à poesia dos empurrões e das mãos dadas nas rodas de ciranda do colégio infantil.

Se só me servis para escrever, é escassa vossa serventia: eu precisaria de vós, minhas mãos, mais do que para ideias, precisaria para grandes atitudes. Como a de, por exemplo, enfrentar o poder nas mãos dos maus.

Mãos arrasadas perto do que fostes, decepcionantes perto do que prometíeis.

Olho para minhas mãos e não acredito que elas existam, como se me restasse ser uma Vênus de Milo.

Fito minhas mãos e vejo que nada mais cresce nelas, exceto minhas unhas.

Reagi, mãos minhas! Talvez ainda hoje haja tempo para grandes obras.

Atirai para longe – depressa que o tempo é curto – este destino de desencantos e amargores.

Talvez ainda haja ensejo, minhas mãos, para mudar o que pode ser transformado.

Livrai-vos, minhas mãos, dos entraves das vossas luvas, que vos tiram a força, o jeito e a impetuosidade, além de tornarem vossos dedos insensíveis.

Cruzai os teus dedos e que este enlace de oração vos leve novamente a produzir carinho e cuidados nas crianças e no ideal, além de estapear as desonras.

Mãos em que um dia depositei toda minha esperança e fé, voltai depressa a ser desprendidas, corajosas e realizadoras.

Livrai-vos dessa paralisia e dessas impurezas e tentai como antes, mais uma vez, vos agarrar à cauda luminosa do cometa do otimismo.

Paulo Sant'Ana

ZH 31/08/2010

Um comentário:

  1. Silvia, este poema me fez lembrar a oração da gratidão, da qual trouxe um trecho:
    “Obrigada, Senhor, por estas mãos, que são minhas, alavancas da ação, do progresso, da redenção.
    Agradeço pelas mãos que acenam adeuses, pelas mãos que fazem ternura,
    e que socorrem na amargura, pelas mãos que acarinham, pelas mãos que elaboram as leis
    e pelas que as feridas cicatrizam retificando as carnes partidas, a fim de diminuírem as dores de muitas vidas!
    Pelas mãos que trabalham o solo, que amparam o sofrimento e estancam lágrimas, pelas mãos que ajudam os que sofrem, os que padecem. . .
    Pelas mãos que brilham nestes traços, como estrelas sublimes fulgindo nos meus braços![...]"
    De Divaldo Franco.
    Tenha um dia iluminado e feliz!

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