segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Como plantar o guarda-sol

Imagem: www.oglobo.globo.com

Como plantar o guarda-sol


Eu já sabia, quando me preparei para a viagem rumo às fímbrias do Atlântico proceloso, que em algum momento teria de proceder ao plantio do guarda-sol. Deu-se nesta manhã de sexta, a mais ensolarada da semana.

Plantar guarda-sol não é singelo como parece. Nem casual. Os praianos usam o plantio do guarda-sol para avaliar um homem. E rotulá-lo. Cuidado, pois.

Digamos que você tenha ido à Orla em alegre bando. Seus amigos estão lá e também algumas jovens mulheres. Tem tudo para dar certo, a temporada na Orla, principalmente porque, entre as fêmeas do grupo, está Ela.

Você sabe de quem estou falando.

Bem, depois de acomodados, vocês se dirigem à areia, onde Ela pretende bronzear-se. São horas neste processo, ao cabo do qual ela precisa homiziar-se à sombra. É aí que entra o guarda-sol. Que você já deveria ter acoplado no lugar apropriado – plantar guarda-sol é trabalho de homem.

Existe uma ciência para tal. Há que se considerar os ensinamentos do polonês Copérnico acerca do movimento rotatório da Terra para que a sombra seja posicionada a contento, há que se calcular a velocidade e a direção dos ventos e, sobretudo, há que se fincar a estaca do guarda-sol com consistência, apesar do inconsistente da areia. Um guarda-sol mal fincado pode acabar com suas possibilidades de romance. Se o seu guarda-sol sai a voar pelo céu azul, você corre o risco de ver a amada reivindicando a ajuda do paulista de sunga branca ali ao lado:

– Coloca o guarda-sol pra miiiim?

O próximo pedido é para que ele lhe besunte com protetor solar.

Portanto, um guarda-sol mal aparafusado é o pior que pode lhe ocorrer.

Ou talvez não. Talvez o pior tenha ocorrido comigo. Ontem, como já disse, tive de proceder ao plantio. Mas não era nenhuma semideusa com a sola dos pés 36 amaciada a creme Nívea que esperava de mim um guarda-sol instalado. Não.

Era o meu filhinho de dois anos.

Ora, mulheres você já teve tantas na vida, e outras tantas decerto terá. Mas o seu filho é parte de você. E o pai, para um filho, é um herói, é um gigante, é o seu modelo de vida.

Então, lá estava eu, sobraçando o guarda-sol, pronto para penetrá-lo na carne da areia. Meu filhinho me olhava, expectante. Percebi, e ele percebeu também, que à esquerda um sujeito retaco e careca cavava com o auxílio de uma máquina o buraco do guarda-sol que protegeria seus filhos. Sim, existe uma máquina escavadora de buracos de guarda-sol. Enviei um sorriso sardônico para o meu pocolino, um sorriso que dizia: “Tsc, tsc, ele precisa de máquinas, meu filho, mas o seu pai não. O seu pai planta um guarda-sol com as próprias mãos. Mãos nuas!”

Meu filhinho sorriu.

Estufei o peito. Ia começar a espetar o guarda-sol, mas vi que, à direita, um tipo de bigode oliviesco havia feito uma plantação de guarda-sóis. Tinha, o bigodudo, vários filhos, e vários amiguinhos de seus filhos, todos, filhos e amigos, acomodados em pares sob guarda-sóis frondosos. O homem fincava um e saltava feito um cabrito-montês para fincar outro, e logo adiante mais outro, e outro, e outro, tudo com uma destreza e uma rapidez que jamais vi igual. Notei que meu filhinho o olhava com um laivo de admiração. Deu-me um aperto no peito. Não podia falhar. Não com aqueles exibicionistas me ladeando.

Bem.

Fique claro que fiz o melhor que pude. Suei no afã da escavação, atarrachei a estaca do guarda-sol quase até a metade na areia, tentei providenciar uma sombra ampla e assídua, mas, mal aberto o dito-cujo, eis que um pé-de-vento assomou do Norte-Nordeste, chutou o guarda-sol de trivela, e senti que o desgranido ia levantar voo. Os demais, os do bigodudo e o do retaco, tremularam, mas permaneceram impávidos. O meu ia decolar. Não permiti. Dei um peixinho na areia e segurei-o firme com a mão esquerda. Fiquei numa posição incômoda, o cotovelo apoiado no chão, a mão apertando o pé da estaca, o corpo virado num cê-cedilha invertido. Não importava. O que importava era fazer com que o guarda-sol não saísse do lugar, pelo menos até que o vento cessasse. Consegui. O vento enfim parou, depois de torturantes minutos que pareceram horas. Então me ergui, limpando a areia da sunga, e anunciei alto:

– Acho melhor mudar um pouco a localização do guarda-sol, filhinho. Ele está realmente firme, muito firme, firme mesmo, mas podemos ter mais sombra logo ali. É importante ter mais sombra!

O bigodudo e o retaco ficaram observando, mudos, enquanto eu transferia meu guarda-sol e o plantava com mais solidez. Funcionou. Vi a aprovação luzir no olhar do meu filhinho, como se ele dissesse:

– O nosso guarda-sol é o melhor de todos, papai.


Ainda sinto o torcicolo daqueles minutos como cê-cedilha invertido, mas valeu a pena. O que importava era a minha imagem de pai, era dar ao meu filho uma demonstração de caráter em meio às agruras da vida praiana. Um homem tem de cometer sacrifícios em nome da dignidade.


David Coimbra

http://wp.clicrbs.com.br/davidcoimbra/2010/01/09/como-plantar-o-guarda-sol/

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