segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Felicidade


O escritor deste tempo, o preferido entre os preferidos, é o americano Philip Roth. Não gosto dele.

Escreve bem e tudo mais, mas há algo nele que me incomoda – os seus méritos. As qualidades de Roth como escritor tornam seus livros irritantes, para mim. Porque Roth consegue reproduzir com precisão os dramas desta época, os conflitos psicológicos, as angústias das pessoas. Seus personagens são como a gente real e respirante do século 21, gente psicanalisada, autocentrada, que superestima os próprios sentimentos.

É uma das marcas mais características do Ocidente pós-Freud, e não é culpa de Freud, Freud era um filósofo, não podia prever a livre adaptação ideológica que os homens fariam de seu sistema de pensamento. É como Cristo, que nada tem a ver com as derivações do Cristianismo.

Não exatamente a psicanálise, mas seu subproduto ideológico é muito adequado ao nosso mundo feminino, no qual as pessoas consomem boa parte do seu tempo pensando em como se sentem e em por que assim se sentem. Atravessam a existência “em busca da felicidade”. Dia desses ouvi de passagem uma frase dita por um personagem de novela. Foi de passagem mesmo, não assisto novela – tenho preconceito contra novela e comédia romântica, e sou muito cioso com alguns de meus preconceitos. Enfim, ouvi o personagem desabafar:

– Eu só quero é ser feliz.

E volta e meia ouço pais suspirando:

– O importante é que o meu filho seja feliz.

Perfeito. É isso mesmo que as pessoas querem. A tal da felicidade, como diz a balada de Natal. Não chega a ser um desejo tolo. É apenas um pouco egoísta e bastante fútil.

Já eu não me preocupo se meu filhinho será ou não feliz. Preocupo-me em fazer dele uma pessoa que mereça ser feliz. Prefiro que ele tenha uma dignidade sólida, antes de uma felicidade banal. Prefiro que ele não seja como um dos chatolas personagens de Philip Roth.


Um governo, como um pai, também deveria tentar fazer de seu povo não um povo feliz, mas merecedor da felicidade. Exemplo: no fim do século 16, a Inglaterra fundou seus primeiros colégios públicos, gratuitos. Eram tão bons, que logo os membros da nobreza passaram a pagar para matricular seus filhos neles. Já na Alemanha, que nem Alemanha era nesse período, era uma reunião de principados independentes, na Alemanha a Educação é OBRIGATÓRIA há 400 anos. Os governos britânico e alemão não distribuíram dinheiro aos seus povos. Deram-lhes Educação. Que lhes deu dignidade.

Na poeira dos séculos, alemães e ingleses muitas vezes foram infelizes. Passaram por guerras, revoluções e cataclismos, ao cabo dos quais restaram arruinados, aos pedaços. Não tinham dinheiro, não tinham nada. Tinham apenas o que lhes ia na alma. A dignidade. Com dignidade, se reergueram, foram em frente, são o que são. Merecem a felicidade. O que é muito melhor do que ser feliz.


David Coimbra

Zero Hora 15/01/2010

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