segunda-feira, 27 de julho de 2009

Amar


Amar


Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer,

amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados,

amar?


Que pode, pergunto,

o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal,

senão rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

e o que ele sepulta,

e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?


Amar solenemente as palmas do deserto,

o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o áspero,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho,

e uma ave de rapina.


Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.


Amar a nossa falta mesma de amor,

e na secura nossa

amar a água implícita,

e o beijo tácito,

e a sede infinita.


Carlos Drummont de Andrade

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