quinta-feira, 19 de junho de 2014

Ajudando africanos

Outro dia uma menina no fulgor dos seus vinte e poucos anos soprou um suspiro sabor tutti frutti no meu nariz e desabafou:
– Minha vida não está legal. Queria ir para a África, ajudar aquelas pessoas.
Fiquei pensando. Ela pretendia resolver seu problema existencial ajudando os necessitados. Interessante. É uma maneira caridosa de dar sentido à vida. Se vai funcionar, se a vida dela ganhará sentido com a solidariedade, isso é outra história. O que importa é a intenção. E a intenção dela não era ajudar qualquer necessitado, era ajudar africanos necessitados. Miséria é miséria em qualquer canto, verdade, mas a miséria dos africanos é ainda mais comovente, porque, afinal, eles são pretos e pobres, e no mundo inteiro é ruim ser preto e pobre.
Então, é muito nobre ajudar africanos. É mais charmoso, também. Ajudar pessoas na Vila Cruzeiro é uma coisa; ajudar pessoas na Somália, outra. Quem se interessaria pelos problemas da Vila Cruzeiro numa mesa de bar da Cidade Baixa? Agora, vá falar da Somália, aquele lugar distante e misterioso… Não há dúvida, ajudar os africanos tem suas recompensas, afora as da consciência apascentada.
Em todo caso, o que me interessou mesmo foi a forma que a garota encontrou de sublimar sua própria vida: ela queria, de alguma maneira, ser importante para os outros. Para alguém. O amor romântico exerce essa função. Não é por outro motivo que os caminhoneiros mais rudes vertem lágrimas na boleia quando ouvem Zezé di Camargo se esganiçar:“É o amor! Que faz eu lembrar de você e esquecer de mim!”. Zezé di Camargo, incrível!, definiu, senão o sentido da vida, a busca do sentido da vida: lembrar de você e esquecer de mim. Você só achará sentido na vida se se doar, seja para uma mulher de olhos tristes, seja para a tristeza da miséria africana.
Veja lá a Angelina e o Brad e tantos artistas ricos e famosos de Hollywood, veja o Bono, o velho George Harrison, que não está mais entre nós, e muitos, muitos outros célebres no mundo todo:eles, aparentemente, chegaram ao topo, mas, do topo, olhando para baixo, sentem a necessidade de ajudar os outros, não raro os pobres africanos, como a minha jovem amiga. A necessidade de dar. De se dar. Os outros. O mais importante são os outros. Quando é que vamos aprender isso?

David Coimbra

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