O domingo frio e chuvoso traz algumas peculiaridades. A chegada de Elvis alguns dias antes já movimentava a casa de forma inusitada, ainda que nenhum rei mago tenha nos presenteado com ouro, incenso ou mirra. Elvis é o mais novo membro da família, um golden retriever bebê, que traz inegavelmente na cara – ou seja lá como se chama o rosto de um cão – os genes do avô, nosso saudoso Guga, que o deus dos cachorros o tenha em boa conta no paraíso cheio de ossos suculentos onde vivem os cachorros mortos.
Ninguém está se importando de verdade com o xixi nos tapetes e com os cocozinhos espalhados pela casa como pequenas obras da mais pura arte canina. Elvis já conquistou todo mundo aqui em casa. Sua chegada no dia 16 de agosto, coincidentemente o dia da morte de Elvis Presley, que lhe inspirou o nome, já foi assimilada como uma dessas coincidências mágicas e incríveis que não querem dizer nada, mas muito significativas de não sei o quê exatamente.
Além do pequeno Elvis, mordiscando pés de mesa, chinelos desavisados e fios de telefone, havia o arroz de pato. Almoços de domingo, ainda mais nos domingos frios e chuvosos, costumam ter essa capacidade rara de reunir à mesa sogras, marido e mulher, filhos adolescentes e, claro, pequenos golden retrievers. Preparado com muito empenho por minha mãe, que vem a ser a sogra de minha mulher e avó de meus filhos e nos faz uma visita, o arroz de pato desencadeou por alguns instantes uma cumplicidade especial.
Por mais que convivam, e passem juntos anos a fio, os membros de uma família estão quase sempre vivendo cada um a sua própria vida – e filhos adolescentes são exemplares na arte de estar perto estando longe (o que fazem, e o que pensam, afinal, durante aqueles longos períodos concentrados no computador ou trancados no banheiro?) – e os momentos em que realmente compartilham alguma coisa são bastante raros. E há as distâncias, as físicas e as psicológicas, além da própria dinâmica da vida, que como num universo em expansão afasta partículas de seu próprio núcleo. Pois foi o que me proporcionou, logo após a primeira garfada, em que num silêncio reverente constatatei que o sentido de um domingo frio e chuvoso pode estar camuflado num prato, o arroz de pato.
Por Tony Bellotto
Ninguém está se importando de verdade com o xixi nos tapetes e com os cocozinhos espalhados pela casa como pequenas obras da mais pura arte canina. Elvis já conquistou todo mundo aqui em casa. Sua chegada no dia 16 de agosto, coincidentemente o dia da morte de Elvis Presley, que lhe inspirou o nome, já foi assimilada como uma dessas coincidências mágicas e incríveis que não querem dizer nada, mas muito significativas de não sei o quê exatamente.
Além do pequeno Elvis, mordiscando pés de mesa, chinelos desavisados e fios de telefone, havia o arroz de pato. Almoços de domingo, ainda mais nos domingos frios e chuvosos, costumam ter essa capacidade rara de reunir à mesa sogras, marido e mulher, filhos adolescentes e, claro, pequenos golden retrievers. Preparado com muito empenho por minha mãe, que vem a ser a sogra de minha mulher e avó de meus filhos e nos faz uma visita, o arroz de pato desencadeou por alguns instantes uma cumplicidade especial.
Por mais que convivam, e passem juntos anos a fio, os membros de uma família estão quase sempre vivendo cada um a sua própria vida – e filhos adolescentes são exemplares na arte de estar perto estando longe (o que fazem, e o que pensam, afinal, durante aqueles longos períodos concentrados no computador ou trancados no banheiro?) – e os momentos em que realmente compartilham alguma coisa são bastante raros. E há as distâncias, as físicas e as psicológicas, além da própria dinâmica da vida, que como num universo em expansão afasta partículas de seu próprio núcleo. Pois foi o que me proporcionou, logo após a primeira garfada, em que num silêncio reverente constatatei que o sentido de um domingo frio e chuvoso pode estar camuflado num prato, o arroz de pato.
Por Tony Bellotto
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