quinta-feira, 2 de junho de 2011

De volta ao parque




O adulto é um sujeito grande com outro pequeno por dentro. Nem precisa de arte para entender isto. Basta a ciência. Nela tem um conceito desenvolvido por Daniel Stern e diz assim: perto de um choro e de uma fralda, voltamos a eles; todo conceito nos puxa para trás. Complicou? Aí tem a arte para esclarecer: trago em mim todas as idades, escreveu o poeta Paulo Hecker Filho. Tudo se soma, nada se perde, somos também o que fomos.

No parque, por exemplo. Dia desses, fui com a minha filha. Primeiro a pipoca, e não se volta à toa ou para pouco. Pode pôr bastante leite condensado, moço. Se a infância tem gosto, é de leite condensado. Depois, um carrosselzinho para relaxar. Ir e vir são mesmo a cara da infância. Leite nas ventas, giramos até eu esquecer que, nos últimos tempos, andava apenas indo sob o ritmo assustador e sem volta. Sim, minha filha, também sei acariciar um cavalo. Tirá-lo do parado, fazê-lo voador, dragão, empunhar espada como São Jorge, combater inimigos como Dom Quixote. O cavalo parou, desci. Encontrei agora o meu melhor amigo. O inimigo espia no autochoque. Estou de olho nele, porque perto está a guria de quem mais gosto. Nunca escondi isto nos jogos da verdade. Deixei-a ganhar nos jogos da cadeira. Caído, fiquei de pé para ela.

Algodão-doce, minha filha. Só me deixa limpar a baba, fruto do leite e da guria. Vamos dividir? Quero espaço para um picolé. Vou lamber durante a pescaria, o prêmio há de ser bom, mas cada sorvete é um prêmio. Filha, olha como tudo é pequeno visto da roda-gigante. Se ela trancar, a gente grita. O som da infância é um grito enorme, querendo soltar-se.

Só falta o pirulito colorido. Aí está e nada deve ao arco-íris. Barca Viking? Os Vikings já existiam, mas não nesta barca. Claro que vou junto, filha, sou uma criança predisposta a tudo, olha o meu joelho, ele é tão esfolado quanto o teu. Na ponta? Sim, para comemorar que estamos no começo. Toda a vida pela frente, como escreveu Emile Ajar, que ainda não li, pois voltei a ser pequeno, e o Paulo Hecker não me alcançou o seu exemplar surrado.

Não é obra, filha, é a vida mesmo. Claro que vamos. Mas por que vai tão alto? Eu vou gritar, filha, por que desce tão rápido? Parece queda livre, eu quero sair, socorro, não tenho saúde para tanto, onde se escondeu a minha coragem? O meu cerebelo está gasto, você não sabe o que é cerebelo? Nunca ouviu falar em aparelho vestibular e ouvido interno? Para esta joça, moço, eu quero descer, eu preciso descer, não de pequeno e assustado, mas de grande e assustado, meu joelho já é inexoravelmente liso, e o gosto do leite condensado era mais memória do que agora, mentira feia, de gente grande, a verdade é pálida, sua e vomita.

Desculpa, filha, sou apenas teu pai crescido para sempre.

Celso Gutreind

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