sábado, 21 de maio de 2011

Anel de lata serve de aliança



Uma moeda antiga, uma almofada de alfinetes, uma pulseirinha colorida.
A gente se prende a uma coisa pequena, insignificante para o mundo, especial para nós. Não há como esclarecer o sentido da devoção.
É algo que combina com a alma mais do que com o corpo, que gira nas mãos como uma chave do pensamento.

Na infância, guardava uma pena de ganso dentro do estojo. Ai se algum colega tirasse do lugar. Minha irmã Carla usava uma correntinha de coração. A bijuteria barata seguiu pelo seu pulso vida afora. Nunca trocou por nenhum brilhante.



Eu senti o apego durante um voo de volta a Porto Alegre. Estava com um terno cinza, retrô, escrevendo no caderninho e, de repente, a caneta estourou. Demorei a perceber sua ação. A ponta transformou-se num soro, pingava cada vez mais grosso. Uma mancha de petróleo se espalhou pelo mar de linho. Eu me desesperei, peguei os guardanapos e comprimi as áreas atingidas pela tinta. Pedi ajuda para a aeromoça, que me alcançou um pano com água quente.

Redundei a poça ao esfregar o tecido, pichei sem querer as próprias roupas. A aeromoça me aconselhou:
– Por que não põe a caneta no lixo?




Apesar da sujeirada que causou, segurava a esferográfica o tempo todo. Protegia aquela peça suicida, de veias abertas.

– Por que não põe a caneta no lixo? – a aeromoça agora levantava a cesta, quase me ordenando.

– É verdade – disse, mas não a descartei. Bateu uma impotência. Fiquei com compaixão da caneta, do que ela havia anotado comigo, de sua fidelidade à minha letra.

Abandonaria o objeto quando ele mais precisava de mim. As roupas sujas não me doíam, mas a caneta gritava, era um osso de meu dedo. Porque ninguém iria se importar com ela, a não ser eu.



Sempre foi dessa forma: a caneta explodia em meu bolso e ia socorrê-la, alheio ao estrago que produzia em mim. Poderia ser uma Mont Blanc ou uma Bic. Não é pelo preço, e sim pelo misterioso valor emocional.

Se já temos uma relação obcecada e incompreensível com um simples pertence, imagine a loucura que é o nosso gosto amoroso. Desisti de justificar a um amigo o que sinto por uma mulher. Amor é muito pessoal. Não se explica. Não requer motivo. Talvez aquilo que seja o inferno para os outros seja o éden para mim. Nem procuro mais disfarçar as manchas.

Fabricio Carpinejar
Zero Hora 17/05/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Adoro saber tua opinião!
Obrigada por participar.