
terça-feira, 30 de novembro de 2010
O pintor

segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Pássaro livre
domingo, 28 de novembro de 2010
A cachorrinha
Mas que amor de cachorrinha!
Mas que amor de cachorrinha!
Pode haver coisa no mundo
Mais branca, mais bonitinha
Do que a tua barriguinha
Crivada de mamiquinha?
Pode haver coisa no mundo
Mais travessa, mais tontinha
Que esse amor de cachorrinha
Quando vem fazer festinha
Remexendo a traseirinha?
Vinícius De Moraes
A chuva nos cabelos

A chuva descia sobre os seus cabelos
Voluptuosamente.
A chuva chorava sobre os seus cabelos,
Macios,
A chuva penetrava nos seus cabelos,
Profundamente,
Até as raízes!
Ela era uma árvore,
Uma árvore molhada
E coberta de flores .
Augusto Frederico Schmidt
sábado, 27 de novembro de 2010
Amor
Metade pássaro

sexta-feira, 26 de novembro de 2010
O melhor amigo

Meu amigo encontrou o cachorro na rua, ainda filhote. Afeiçoou-se a ele e levou-o para casa. Conviviam havia já mais de dois anos em seu pequeno apartamento. O cachorrinho era relativamente obediente e espaçosamente alegre, como em geral são os cachorrinhos.
Um dia, meu amigo encontrou uma namorada nas lides noturnas. Afeiçoou-se a ela e levou-a para casa também. Passaram a viver juntos, os três.
A mulher, porém, não gostava do cachorro. O apartamento ficava com cheiro de bicho e cheio de pelo, os latidos a incomodavam. Essas coisas que mulheres dizem de cachorros. Passaram-se meses, ela sempre reclamando, meu amigo sempre evitando o assunto. Adiando a solução. Quando o cachorrinho roeu as tiras da sandália preferida dela, ela deu um ultimato: ou ele ou eu!
Mais tarde, meu amigo confessou que, naquela hora, vacilou. Ela ou ele? Ela? Ou ele? Mas a disputa era entre um animal e um ser humano. Nesses casos, o humano quase sempre sai ganhando.
Ela ganhou.
Uma manhã, meu amigo, com o peito confrangido, o coração do tamanho de uma ervilha, a alma pesada, meu amigo colocou o cachorrinho no carro. Teria de livrar-se dele. O cachorrinho estava feliz. Gostava de passear de carro. Meteu o focinho branco para fora da janela e ficou sentindo os odores que passavam pela rua, sentindo o vento bater na cara preta e branca.
Meu amigo dirigiu até Canoas. Enveredou pelos bairros da cidade. Parou em um descampado. Desceu. Deu a volta no carro. Abriu a porta do carona. O cachorrinho pulou para fora, o rabo abanando, faceiro com a atenção que o dono lhe despendia. Meu amigo caminhou uns 30 metros. O cachorrinho o seguiu, como sempre. Meu amigo olhou para ele, pesaroso.
– Senta! – ordenou.
Ele obedeceu.
– Fica aí!
Ele obedeceu outra vez.
O cachorrinho ficou parado, enquanto ele voltava para o carro. Sentou-se atrás do volante. Arrancou. Antes de engatar a segunda marcha, parou. Olhou para trás. Viu, nos olhos do cachorrinho, a compreensão conformada, a lealdade triste. Os olhos do cachorrinho mostravam que ele sabia que seria traído. Que seria abandonado.
Como foi.
Meu amigo dirigiu uma quadra pensando naquele olhar. Então, num repente, se arrependeu. Pisou no freio. Fez o retorno, apressado. Voltou num tzin para seu companheiro. Ansiava por abraçá-lo e afagá-lo, por dar-lhe um osso novo, por pedir desculpas.
Mas não o encontrou mais. Rodou por mais de duas horas pelas imediações, e nada. Voltou para casa abatido, desencantado da vida. Até hoje ele lembra daquele olhar desapontado. Daquele olhar que expressava amizade, fidelidade e um coração partido. Até hoje ele sonha com seu cachorrinho.
A mulher continua morando no apartamento.
David Coimbra
Os homens vendem a luz

quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Seiscentos e sessenta e seis

quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Os quereres
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock?n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim
Caetano Veloso
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
A droga

sábado, 20 de novembro de 2010
O último poema

sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Pré-história
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Política literária
Mar portuguez

segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Canção do amigo

sábado, 13 de novembro de 2010
Filhos

Seus filhos não são seus filhos.
São os filhos e as filhas
dos desejos que a vida
tem de si mesma .
Vêm através de vocês,
Podem abrigar seus corpos,
mas não suas almas,
moram na casa do amanhã,
que nem mesmo em sonhos
Podem empenhar-se
Vocês são o arco
O arqueiro vê o alvo s
e dobra o arco com toda a força,
Que o fato de estarem
Por isto vocês tiveram a liberdade de amar
e a oportunidade de viver e fazerem suas vidas.
Deixem que seus filhos voem sós de seus ninhos
Eles os quererão para sempre
e terão também seus lares,
nos quais, algum dia, ficarão sós,
porém terão sido seus lares e suas vidas.
Deixem-nos livres.
Amem-nos com liberdade,
não apaguem o fogo de suas vidas.
Vivam e deixem viver,
assim eles os quererão sempre.
Gibran Kahlil Gibran
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Amores apertados

Ela ama o cara. Interessa-se pela sua vida, seu trabalho, seus estudos, seu esporte, seus amigos, sua família, enfim, ela está inteira na dele.
Ele, por sua vez, recebe isso de muito bom grado mas não retribui.
Não pergunta pelo trabalho dela, pelas angústias dela, por nada que lhe diga respeito.
Ela, obviamente, não gosta desta situação, mas vai levando, levando, levando, até que um belo dia sua paciência se esgota e ela tira o time de campo. Aí ele entra.
Então ele a torpedeia com e-mails e telefonemas carinhosos.
Mas ela é gata escaldada, não vai entrar nessa de novo.
Ele insiste. Quer vê-la, quer que ela entenda que ele é desse jeito tosco mesmo, mas que no fundo ela é a mulher da vida dele.
Ela é gata escaldada mas não é de gelo: então tá, vamos tentar de novo.
Ela entra com tudo.
É ela quem o procura, é ela que o elogia, é ela que arma os programas, é ela que lembra das datas, é ela, tudo ela, só ela.
Quer saber: tô fora!
Aí ele entra. Pô, gata, prometo, juro, ó: vou cobrir você de carinho.
E não é que ele cumpre?
Passa a tratá-la como uma deusa, super-atencioso, parece outro homem.
Ela aceita a deferência, mas não entra mais nesse jogo. Simplesmente não retribui o afeto dele, quase nunca telefona, sai com as amigas toda hora, e ele ali, no maior esforço.
Aí ela entra. E ele esfria, e ela cai fora, e ele volta, e seguem neste entra-e-sai até o desgaste total.
Bom mesmo é amor em que cabem os dois juntos.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
As minhas mãos

Tristes mãos minhas, que não mais acariciam nem possuem mais a coragem de colher uma flor!
Mãos já incapazes de empunhar uma bandeira, sequer de afagar um cão.
Para que servis, minhas mãos, que antes tantas obras forjastes? Hoje mal que tremulamente ofereceis uma esmola.
Ainda bem que nunca se tingiram de sangue nem jamais se entregaram ao ócio. O que no entanto exijo de vós, mãos minhas, é que desmascareis os hipócritas e surreis os impostores.
Tanto estou a desconfiar de vós, minhas mãos enfastiadas, que temo que estejais dispostas eventualmente a dar tapinhas nas costas dos poderosos iníquos.
Para que servis hoje, minhas mãos decagonais, senão para arroubos de lascívia?
Temo até que deixastes, minhas mãos, de ser esperançosas nos vossos acenos de adeus.
Mãos caídas, impotentes já para esplêndidos gestos de aceite ou de recusa.
Vós vos finastes, minhas mãos. Talvez até para os abraços sinceros. Nunca mais vos atrevestes à poesia dos empurrões e das mãos dadas nas rodas de ciranda do colégio infantil.
Se só me servis para escrever, é escassa vossa serventia: eu precisaria de vós, minhas mãos, mais do que para ideias, precisaria para grandes atitudes. Como a de, por exemplo, enfrentar o poder nas mãos dos maus.
Mãos arrasadas perto do que fostes, decepcionantes perto do que prometíeis.
Olho para minhas mãos e não acredito que elas existam, como se me restasse ser uma Vênus de Milo.
Fito minhas mãos e vejo que nada mais cresce nelas, exceto minhas unhas.
Reagi, mãos minhas! Talvez ainda hoje haja tempo para grandes obras.
Atirai para longe – depressa que o tempo é curto – este destino de desencantos e amargores.
Talvez ainda haja ensejo, minhas mãos, para mudar o que pode ser transformado.
Livrai-vos, minhas mãos, dos entraves das vossas luvas, que vos tiram a força, o jeito e a impetuosidade, além de tornarem vossos dedos insensíveis.
Cruzai os teus dedos e que este enlace de oração vos leve novamente a produzir carinho e cuidados nas crianças e no ideal, além de estapear as desonras.
Mãos em que um dia depositei toda minha esperança e fé, voltai depressa a ser desprendidas, corajosas e realizadoras.
Livrai-vos dessa paralisia e dessas impurezas e tentai como antes, mais uma vez, vos agarrar à cauda luminosa do cometa do otimismo.
Paulo Sant'Ana
terça-feira, 9 de novembro de 2010
A avó
Está tão fraca e velhinha! . . .
Teve tantos desenganos!
Ficou branquinha, branquinha,
Com os desgostos humanos.
Hoje, na sua cadeira,
Repousa, pálida e fria,
Depois de tanta canseira:
E cochila todo o dia,
E cochila a noite inteira.

Às vezes, porém, o bando
Dos netos invade a sala . . .
Entram rindo e papagueando:
Este briga, aquele fala,
Aquele dança, pulando . . .
A velha acorda sorrindo,
E a alegria a transfigura;
Seu rosto fica mais lindo,
Vendo tanta travessura,
E tanto barulho ouvindo.
Chama os netos adorados,
Beija-os, e, tremulamente,
Passa os dedos engelhados,
Lentamente, lentamente,
Por seus cabelos, doirados.
Fica mais moça, e palpita,
E recupera a memória,
Quando um dos netinhos grita:
"Ó vovó! conte uma história!
Conte uma história bonita!"
Então, com frases pausadas,
Conta historias de quimeras,
Em que há palácios de fadas,
E feiticeiras, e feras,
E princesas encantadas . . .
E os netinhos estremecem,
Os contos acompanhando,
E as travessuras esquecem,
— Até que, a fronte inclinando
Sobre o seu colo, adormecem . . .
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Os ombros suportam o mundo

Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade
domingo, 7 de novembro de 2010
A última que morre

Atualmente, há tanta informação para digerir que não sobra espaço na cabeça para questionar ditados já consagrados. Então, seguimos repetindo, dia após dia, frases que nos parecem definitivas, como A esperança é a última que morre, sem nos darmos conta de que elas não são definitivas coisa nenhuma. Por que manter um estado de ilusão eterno? Em certas circunstâncias, é muito bom perder a esperança.
Esperança não transforma o mundo. Não muda a sua vida. Apenas oferece um breve conforto, faz de conta que as coisas se arranjarão sozinhas através do pensamento positivo. Mas uma coisa é confiar em bons prognósticos, mentalizar situações agradáveis, e outra bem diferente é ficar esperando milagres. Sem querer ofender ninguém: a esperança se tornou obsoleta.
Você tem esperança de quê? De um mundo melhor, de um país mais justo? Ainda? Ok, gostaríamos que as coisas fossem diferentes, mas a diferença só se efetiva por meio de ações e reações. Quando você tem esperança, tudo o que precisa fazer é ficar sentado aguardando. Já quando ela morre, acaba a morosidade. Você vira a página, troca de capítulo, vai batalhar por outra coisa. Alguém que cansou de esperar é sempre mais produtivo.
Dificilmente analisamos as desistências por um foco salutar. Elas podem ser o combustível para o início de outro projeto, de um desejo novo. Nem tudo nasceu para dar certo. Algumas coisas são tortas por natureza, são boas uns 25%, e os outros 75% não tem pai-nosso que dê jeito. Ficar paralisado diante de algo que nunca vai mudar é estratégia de preguiçoso. Diante do que não muda, só há uma coisa a fazer: mudar a si mesmo, sacrificando as suas antigas e boas intenções.
Ter esperança de um mundo melhor é um sentimento megalômano. Desista de pensar no mundo, não seja tão ambicioso. Ele nunca vai ser muito melhor do que é, mas seu prédio pode ser, o seu local de trabalho pode ser, já que microcosmos não funcionam à base de esperança, e sim de realizações.
Não que eu proponha radicalizar. A gente pode ter um pouquinho de esperança, claro, desde que ela tenha um prazo de validade, não se transforme numa acomodação vitalícia. Tenha esperança até a página 15. Se a história não avança, não é preciso morrer decrépito segurando o mesmo livro na mão. Ele vai continuar chato, vai continuar engessando você.
O desejo é que deve ser o último a morrer. Ele, sim, merece o prestígio que a esperança, essa velha senhora, ainda pensa que tem.
Martha Medeiros
Zero Hora 31/10/2010
sábado, 6 de novembro de 2010
Xadrez

É branca a gata gatinha
É branca como farinha.
É preto o gato gatão
É preto como o carvão.
E os filhos, gatos gatinhos,
São todos aos quadradinhos.
Os quadradinhos branquinhos
Fazem lembrar mãe gatinha
Que é branca como a farinha.
Os quadradinhos pretinhos
Fazem lembrar pai gatão
Que é preto como carvão .
Se é branca a gata gatinha
E é preto o gato gatão,
Como é que são os gatinhos?
Os gatinhos eles são,
São todos aos quadradinhos .
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Xixi de porta aberta

Fui notando que mulheres conversam assim, com o triplo da velocidade de um papo masculino. São como feirantes vendendo os abacaxis e os morangos dos relacionamentos. Emendam cenas, comentam o passado, atalham o futuro, zoam e se confortam em seguida. Evidente que a explicação para o excessivo conteúdo em poucos minutos é que estavam com a conversa atrasada. Não vale, mulher já nasceu com conversa atrasada.
É impraticável acompanhar ainda que seja o próprio idioma. Tonteei somente de olhar.
O que me leva a crer que – pela comparação – toda esposa se comunica com o marido como se ele fosse um retardado. Lenta, maternal, didática. Chega a apontar para facilitar o entendimento. Apenas aumenta a rapidez do raciocínio na briga, daí não adianta, ninguém escuta mais.
O que me leva a comprovar a aptidão da fêmea para iniciar diferentes assuntos e não terminar nenhum. Mulher acumula inícios. O homem tem dificuldade de começar, por isso é absolutamente linear e monotemático. Quando seu macho fala de futebol, vai falar de futebol até o fim. Perca a fé de que ele possa mudar o tema e o canal.
O que me leva a entender o hábito bem irritante da mulher de fazer xixi de porta aberta. Ela não pretende interromper a conversa. Nunca. De forma nenhuma. Pra quê? É a sua diversão, com ou sem motivo. Xixi é irrelevante perto da possibilidade de esmiuçar dilemas de seu dia e fofocar sobre o trabalho.
Tanto que há um silêncio mortal no banheiro público masculino e um alarido descomunal no feminino.
Minha namorada entra no toalete de nossa casa e continua papeando. Dispensa licença. Nos primeiros momentos, ficava mudo, esperando que ela terminasse. Mas ela gritava: – Não tá me ouvindo? E me obrigava a responder, apesar do barulho da descarga e da torneira.
Como qualquer barbudo, eu fracasso na adoção de sua mania. Tenho problema de conversar enquanto tento acertar o alvo, operação que desprende concentração e domínio total das forças. Naquela hora, não presto para oferecer conselhos, ser simpático, muito menos dizer “eu te amo”. O alívio do esguicho altera a dicção, vem um gemido do fundo do pulmão. Falta tecnologia mesmo no corpo.
O que me leva a concluir que não tem jeito; sou burro como uma porta fechada.
Fabricio Carpinejar